quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Do Futebol e da Vida...


Primeiro íamos ( quem ia ) ao futebol em família, pais, mães, filhos, ou então em grupos de amigos, e era uma festa, um convívio. Não se escolhiam lugares em função das cores clubísticas, salvo nas bancadas dedicadas aos indefectíveis sócios, sentáva-nos onde nos parecia termos a melhor perspectiva do jogo ou então onde havia lugares disponíveis em dia de enchente. Ao nosso lado até podia estar um adepto da equipa adversária que isso não era problema nenhum; ele puxava pela equipa dele e entusiasmava-se com os jogadores dele e nós puxávamos pelos nossos. Acontecia  trocarem-se comentários  ou estabelecerem-se  mini-debates, mais ou menos acalorados, sobre o que se via no campo, de bom ou de mau, de uma e de outra cor.  Mas um jogo de futebol era sempre uma festa. Lá havia um ou outro mais exaltado e aguerrido que levava as coisas  a peito e isso dava às vezes lugar a pequenos "tsunamis" de agitação na bancada que tratavam de ser acalmados por quem estava perto ou, caso disso, o que era raro, pelos agentes da autoridade de serviço que  conduziam o exaltado adepto ao exterior para "apanhar um pouco de ar fresco" longe de quem gostava do futebol apenas porque era uma festa e não um ringue de box. Claro que o futebol movia ( e move ) paixões e, por isso, promovia  eventualmente comportamentos  mais desbragados de um ou outro espectador menos controlado emocionalmente. Mas, genericamente, quando se ia ao futebol, era ir a uma festa de gente de todas as idades, cheia de colorido, de alegria, de diversidade, de vozes soltas e vibrantes. Contudo, logo que o árbitro fazia soar o apito para começar o jogo todos os olhares  se concentravam no que acontecia dentro das quatro linhas,  e pouco mais, e era só isso que fazia sofrer, saltar, sorrir ou explodir de alegria pelo golo. Sim , era  assim o futebol, no seu estado mais puro e onde a vítima de quem perdia, regra geral, era   a mãe do árbitro, mesmo se ninguém conhecia a senhora. Claro, no fim queríamos sempre que a nossa equipa ganhasse, mas  não era um caso de vida ou de morte, e nem sequer chegava a tirar-nos o apetite do jantar se acontecesse o contrário. 

De há uns anos para cá apareceram no futebol uns senhores meio mal engravatados, lustrosos, com verbo tosco e gestos largos, desejosos de protagonismo que, não conseguindo alcançar nas suas comunidades, por manifesta incapacidade pessoal ou falta de mérito;  subitamente enriquecidos por negócios especulativos feitos, quase sempre, na área da construção civil; beneficiários da tal bolha imobiliária, de que tanto se falou já, ou portadores de uma pérfida  capacidade de ludibriar e manipular os clubes e os seus sócios, para se instalaram nas direcções com a promessa de  conseguirem os objectivos desportivos ansiados pelos sócios e adeptos. Esta estirpe de gente fomentou, dentro do campo, onde era suposto o futebol jogado com os pés ser a coisa estritamente exibida, e fora do campo, um ambiente que foi e é propício mais  a eles do que  ao clube que tinham tomado. Os sócios e adeptos, sedentos de títulos e cegados pela paixão clubística, deixaram-se invadir por esta praga de dirigentes.  A meio deste processo, os tais putativos dirigentes foram gerando condições objectivas ou subjectivas para o aparecimento das conhecidas claques que pululam por aí e onde, na generalidade, se arrebanharam um conjunto de arruaceiros que, para além de causarem distúrbios e trazerem o ódio para os campos de futebol, nada mais fazem do que dar trabalho à polícia e denegrirem e prejudicarem a imagem do desporto, afastando em definitivo  as famílias para longe dos estádios e outras pessoas que, de um jogo de futebol,  queriam colher um momento de pura descontração, ambiente festivo e convívio salutar.  A cultura das claques é a da violência pela violência. É o do quanto pior melhor. E se não puder ser dentro dos estádios há-de ser fora deles, independendo  se a sua equipa ganha, perde ou empata. Não é isso que os move.  Os dirigentes, esses, claro,    seguem em frente na sua acção devastadora do desporto dito rei, e das instituições, assobiando para o lado e fingindo ignorar a criatura e as malfeitorias  do pequeno monstro que incubaram dentro do futebol.      

A verdade é que é fácil ver  que, quando estas tais claques "organizadas", como lhe chamam, entram nos estádios onde se vai realizar um qualquer jogo, passam a maior parte do tempo viradas de costas para ele.  A sua  única preocupação é a desestabilização do ambiente desportivo e festivo que no estádio devia ser gerado pela festa do futebol jogado. O principal objectivo, a sua grande motivação nos noventa minutos ou mais que dure a peleja no relvado, é ofender, seja por palavras ou gestos, e arremessar objectos mais ou menos contundentes sobre  tudo o que mexe à  sua volta. É impossível que gente desta goste de futebol ou do desporto pelo desporto. Os seus valores são outros e não têm a ver com um jogo de bola, tal como os dos seus mentores. Mas será que tudo aquilo que de mau demanda o futebol através das claques preocupa seriamente os ditos dirigentes dos clubes e mentores das acirradas claques?  Claro que não. Se preocupasse já tinham acabado com elas. Parece óbvio ser do interesse dos dirigentes terem cães acirrados que façam algum trabalho sujo que eles não querem fazer; depois, bem, depois quando as coisas acontecem  podem sempre demarcar-se, hipocritamente, dos desmandos provocados por aqueles que açularam com as suas palavras de ódio e incitações maldosas dirigidas aos clubes rivais.

Estes dirigentes que tomaram o futebol como se fora um negócio seu, têm passado, nas últimas décadas, todo o tempo, a semear ódios e ventos. Ora, como bem sabemos,  ódio gera  ódio e quem semeia ventos só pode esperar colher tempestades.   Estas pessoas usam os clubes como instrumentos de ataques pessoais e institucionais e transformam os atletas que representam os clubes em joguetes das suas políticas, ditas "desportivas", aproveitando-se muitas vezes da instabilidade emocional destes, da avidez dos seus empresários, e do seu desejo por, ganhos, brilho e glória rápida, de uns e de outros, capazes de os guindarem a mais altos voos. Há um chicote psicológico nas mãos de cada dirigente de clube pronto a cair em cima de quem não apresente resultados imediatos que alimente a sua sede de protagonismo e lhes promova e afague o ego. Nessa demanda  promovem uma política de "eucalipto" secando tudo à sua volta e devastando clubes e instituições que expostos à mercê das suas megalomanias. Envolvem governos, bancos, cidadãos, empresários, câmaras municipais, juntas de freguesia e, se necessário, gente da mais baixa ralé nas suas "guerras" contra hipotéticos "sistemas".  Querem ser donos da cidade.  O seu ego é enorme e insaciável por cada vez mais protagonismo e exibição. As suas atoardas nos meios de comunicação são setas envenenadas, mas vistas como garantia de facturação pelas  empresas de media que, como bem sabemos, produzem uma informação que raia muitas vezes o asco. Poucos dirigentes, muito poucos, têm feito bem ao futebol e ao desporto em geral no país;  pelo contrário: os resultados da sua maléfica acção estão  à vista, todas as semanas, nas bancadas dos estádios, nos orgãos de comunicação,  nos tribunais.  

Tenho pena que o futebol se tenha deixado conquistar por esta gente, até porque  sou de uma geração que cresceu em Portugal tendo praticamente como únicas referências capazes de sustentar algum orgulho nacional  a nossa história passada e o futebol que,  lá fora,  e às vezes, se agigantava e ganhava, volta e meia, um jogo ou  um troféu que nos deixava a pensar que também  éramos gente e que nos chegava a dar a ideia de que, afinal, podíamos ombrear com os grandes da europa em alguma coisa, mesmo que isso não passasse de uma ilusão...

É assim, a nossa vida, em Portugal. Parece-me bem que um dos nossos principais defeitos, enquanto povo, é não estarmos dispostos a escrutinar, convenientemente,  as competências e interesses de quem se propõe dirigir-nos, seja na política, no desporto ou até noutros sectores da vida. Normalmente vamos na cantiga de embalo fácil de homens e mulheres, sacos de vento,  que não passam afinal de maus pagadores de promessas.  E,  promessas, como bem sabemos, leva-as o vento.

Não é muita a diferença entre a realidade do futebol e a realidade do país.
                                                                                                           
Talvez por isso mesmo, as consequências acabam sempre por vir bater à nossa porta, mais cedo que tarde, e são-nos servidas a frio, como se de uma vingança se tratasse. Uma vingança do tempo e do modo como fazemos as nossas escolhas, ou deixamos que outros as façam por nós.

Jacinto Lourenço

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

As Lágrimas de Boabdil...





[ A rendição de  Granada ]

...O Al-Andalus desaparecia para sempre perante o olhar triste e inconformado do rei Abu Abd Allah Muhammad XII, conhecido por Boabdil (último rei de Granada), que ao tomar consciência de ter perdido a sua jóia, não se conteve, e terá derramado lágrimas na hora de sua partida para o exílio.
Três credos e um mesmo Deus coabitavam em Espanha desde há muitos séculos, cristãos, judeus e muçulmanos viviam nas mesmas povoações e cidades, fazendo o comércio, discutindo entre si textos clássicos sobre medicina, poesia ou literatura.
Porém, algo iria mudar radicalmente no quotidiano referente às duas minorias religiosas (principalmente em relação aos judeus), exemplo disso mesmo foram os massacres ocorridos contra muitas das comunas judaicas no verão de 1391, como Sevilha, Córdoba, Toledo, Valência, Palma de Maiorca ou em regiões de Aragão e Catalunha, onde centenas de milhares de pessoas foram assassinadas ou convertidas à força, consequência de uma crise política interna, ampliada pelos discursos inflamados de pregadores locais, entre eles o famoso dominicano Vicente Ferrer.[...]

( Matança de judeus em Barcelona - ano de 1391 )

Se porventura o ano de 1492 é considerado como um ano de "glória" da antiga Hispânia, já numa perspectiva mais critica podemos considerar que foi o ano em que a Espanha deu um passo atrás. Sefarad e todo o seu legado deixou de existir, envolvido incomensuravelmente pelas nuvens sombrias da intolerância, do medo, da repressão e do empobrecimento de toda uma nação (a nível cultural e económico), algo que se vai passar de forma semelhante no reino de Portugal quatro anos depois. [...]

Ler texto integral AQUI no blogue Por Terras de Sefarad

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Portugal a Papel Químico 39 Anos Depois...

Quase três décadas já passaram sobre o momento desta entrevista de Zeca Afonso. Diferenças em relação à sensibilidade de José Afonso quanto aos problemas do seu tempo versus o momento actual são poucas. Semelhanças são assustadoras. Não há mantos diáfonos que possam encobrir a brutal realidade.




domingo, 24 de fevereiro de 2013

Do Alentejo com Lembranças.



...Como qualquer alentejano da minha geração, cresci num tempo em que a confecção dos alimentos tinha por base o lume de lenha, no chão da lareira, ou o de carvão, na fornalha ali instalada. Sem o suporte conserveiro da arca congeladora, sabiamente substituída pela salgadeira, numa tradição milenar, e sem frigorífico, a mãe de família tinha de cozinhar todos os dias, duas vezes ao dia. Foi um tempo em que a cozinha, com a grande chaminé, era casa de entrada, de porta sempre aberta durante o dia, como única fonte de luz, e sala de todos os usos, em que a mesa de comer era a mesma em que eu e os meus irmãos fizemos os trabalhos de casa, a mando do professor.

Dessa cozinha, para além do mobiliário rudimentar, do poial dos cântaros, do poço com água fresca e um tanto salobra, ficaram-me na memória duas oleogravuras, uma do aeroplano Lusitânia, com o Gago Coutinho e o Sacadura Cabral, e outra alusiva à implantação da República. Desse tempo e dessa cozinha recordo os aromas e os sabores da culinária alentejana. A carne de porco, temperada de alho e pimentão, frita em banha, na sertã de barro, as sopas da panela de galinha com linguiça, toucinho e raminhos de hortelã, a açorda de poejos, as sopas de tomate com figos e as de cação envinagradas e a libertar o cheiro dos coentros, as sardinhas de barrica fritas no azeite e as torradas com toucinho cozido ou com azeite, açúcar e canela exalavam cheiros inconfundíveis e são lembranças de paladares inesquecíveis que não posso deixar de associar aos cantares dos homens que, muitas vezes, na taberna da vizinhança, aos fins de tarde de sábado, se abriam em coro polifónico e trocavam boa parte da magra féria por copos de vinho e petiscos para fazer boca, esquecendo aí e assim a “porca da vida”.
[...]

A. Galopim de Carvalho in De Rerum Natura

Ler texto integral AQUI

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Salomão e as Equações dos Dias




A vida é feita de intermitências, qual Código Morse não obedece a um projecto rígido ao contrário daquilo que tantas vezes se imagina. Não é uma coisa plana, a vida, e pode até ser feita de íngremes e complicadas subidas e, antes que cheguemos ao topo, descambar numa repentina, perigosa e acidentada descida. Por muito bem que a desenhemos e projectemos, tais projectos podem  acabar no cesto dos papéis, rasgados e amarfanhados. A melhor ciência que possamos escolher para delinear os dias da nossa vida, nada pode face à  imponderabilidade em que ela sempre se moverá. A vida é afinal uma equação com muitas incógnitas, e nem nós sabemos quantas pois uma sucede a outra e  ao valor do "x"  ou do "y"  acrescem potências, radicais e tudo o mais que desafia a nossa inteligência e capacidade de adaptação e superação. Talvez porque a vida é assim, e sempre foi assim em todos os séculos que já foram vividos por pessoas, como nós, mas  com outras visões, culturas e contextos históricos e sociológicos, é que o nosso pedido a Deus,  para podermos viver esta vida, a vida que nos foi oferecida, devia ser como o pedido que Salomão fez: sabedoria, Senhor, sabedoria é o que eu quero Senhor. Sabedoria para poder discernir o coração dos homens e de Deus, e as coisas complicadas que a equação dos dias nos põe à frente e perante as quais nos sentimos meninos incapazes de encontrar o valor das incógnitas que se ocultam de nós.

E de que serviria  saber  o resultado final da equação da vida se não tivéssemos  sabedoria para descobrir os caminhos  por onde se chegasse  lá ?  É por isso pertinente e relevante o pedido de Salomão: sabedoria para viver e descobrir os caminhos com que as equações  da vida o confrontavam.

Tanta coisa para pedir e o novo rei pediu apenas  sabedoria. E foi sábio, Salomão, enquanto viveu dessa sabedoria que lhe deu Deus. Resolveu equações de grau elevado de dificuldade a contento do seu reino e da sua vida. E nunca deixou de ter sabedoria, Salomão, enquanto teve a sabedoria que pedira a Deus.                                                                                                                                    

Um dia Salomão descobriu que tinha perdido a sabedoria e  não mais foi capaz de resolver equações. Já não tinha ciência para tanto. O seu reino, a sua vida, tornaram-se-lhe  um labirinto onde já não encontrava saída. A descida, no seu percurso pessoal, foi acidentada, vertiginosa, penosa e dolorosa. Sem a sabedoria que pedira a Deus, o projecto de vida de Salomão, foi parar ao cesto dos papéis amarfanhados e rasgados da história.

Jacinto Lourenço 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Macacos sem Fé e sem Sonhos...


...Passos Coelho prossegue na tarefa de demolição a que se propôs. Ignora que não se altera um Estado e as suas estruturas sociais, culturais e morais com contas de subtrair. Galbraith, hoje esquecido, provou-o com os exemplos do nazismo e do fascismo. É impressionante a desfaçatez com que este homem nos mente, falando como quem se dirige a mentecaptos. 17 por cento de desempregados não o comovem nem demovem. Ameaça que a praga não vai parar. Estamos a morrer como pátria, como nação e como povo mas coisa alguma emociona estes macacos sem fé e sem sonhos. Ri, alarvemente, com o Vítor Gaspar ("um génio" na expressão dessoutro "génio", António Borges), e chega a ser comovente o preguiçoso desdém com que Paulo Portas é tratado pela parelha. Chegados a este ponto, é lícito perguntar: até onde a democracia pode admitir e sustentar estas indignidades?[...]

Baptista Bastos in Diário de Notícias 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Museu de Israel exibe grande Exposição sobre Herodes


(Sarcófago de Herodes )




...A mostra agora patente no Museu de Israel exibe bustos e estátuas do período em que os romanos ocuparam a Terra Santa e colocaram Herodes como monarca sobre a Judéia.
A peça principal da exposição é a reconstrução de uma parte do mausoléu de Herodes que os arqueólogos crêem ser o seu sarcófago.

Os historiadores indicam que Herodes reinou na Judéia entre os anos 37 a.C. até à sua morte no ano a a.C., portanto 4 anos antes da data celebrizada para o nascimento de Cristo em Belém da Judéia, levando a uma revisão da data do nascimento do Salvador para 6 ou 7 anos antes de Cristo.

Herodes ficou conhecido pela sua crueldade, mas também pela sua megalomania, ao ter construído grandes palácios, como o de Massada, mas ficou célebre e reconhecido pela grandiosa reconstrução do Templo de Jerusalém.

A exposição denominada "Herodes, o Grande: a jornada final do rei", foi inaugurada no passado dia 12 e estará patente até ao próximo dia 5 de Outubro. Contém cerca de 250 peças arqueológicas recentemente achadas em Herodium, um monte não muito longe de Jerusalém onde se crê que Herodes e sua família foram sepultados.

Foi em 2007 que o conceituado arqueólogo israelita Ehud Netzer, da Universidade Hebraica de Jerusalém, descobriu o túmulo de Herodes em Herodium. Ali existia um palácio-fortaleza, um complexo de lazer com jardins, grandes piscinas, saunas decoradas e um teatro com um camarote real. Nos seus últimos anos de vida, o rei Herodes reconfigurou a arquitectura do complexo de forma a preparar o cenário para o seu enterro, tendo assim construído um magnífico mausoléu voltado na direcção de Jerusalém.


Fonte: Shalom Israel

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A Rádio um Dia depois do seu Dia


Sim, bem sei, porque me informam todos os manuais de consumismo ocidental, que hoje é o dia dos namorados, mas  o que eu quero mesmo lembrar é algo menos prosaico mas  muito mais importante para a humanidade do que um simples dia de S.Valentim de vocação comercial anódina. Ontem, por manifesta falta de tempo para o fazer, não assinalei aqui a celebração do Dia Internacional da Rádio. Não, não falo apenas da descoberta de Pierre e Marie Curie do elemento químico com esse nome, falo da Telefonia Sem Fios, que designamos sinteticamente por Rádio. Ontem, 13 de Fevereiro, celebrou-se o Dia Internacional da Rádio. Poucos terão dado por tal e, os que deram, não lhe atribuiram a importância que ela tem nas suas próprias vidas, mesmo que não se dêem conta disso.

Lembro-me, como se fora hoje, quando menino com os meus sete ou oito anos, de os meus avós comprarem a sua primeira telefonia a pilhas; era uma Philips, daquelas que tinham uma pega em plástico na parte superior e uma antena que abria em arco rectangular. E lá foi a família toda, em procissão ao estabelecimento do sr. Arranca, para trazer para casa essa importante inovação: uma telefonia a pilhas, sim, a pilhas, daquelas grandes, porque electricidade era uma inovação que ainda não havia chegado a Lavre. Apanhava onda média e onda curta. Não estou certo de que já houvesse FM ao tempo, nos finais da década de sessenta do século passado. Mas lembro-me dos programas que mais se ouviam lá em casa: Serão para Trabalhadores, da FNAT, Parodiantes de Lisboa (algumas das personagens criadas por estes nunca mais nos sairam da memória ), rádionovelas, relatos de futebol, noticiários e, à noite, em alguns dias da semana, o meu avô José, precavendo-se primeiramente com todos os cuidados contra eventuais "escutas" promovidas pela PIDE ou pela GNR  lá da vila, alguns tão engraçados  que, relatados hoje, nos pareceriam quase anedota, ouvia a Rádio Moscovo e a Rádio Portugal Livre onde passavam programas contra o regime instalado em Portugal promovidos pelos partidos políticos portugueses na clandestinidade.

A televisão, nessa altura, não era ainda grande alternativa. Uma programação reduzida e uma informação breve e formatada pelo estado novo. Excepção  era o Bonanza, ao sábado à noite ou o Super-Rato ao domingo à tarde. Eram os tempos da Rádio, do Raúl Solnado com as suas histórias da guerra de 14, dos cançonetistas, dos Reis da Rádio, da Madalena Iglésias, do Artur Garcia, do António Calvário ou da Simone. Todos e cada um com as suas claques. As pessoas reuniam-se à volta de uma telefonia, onde quer que a houvesse, para ouvir as novidades e os relatos da bola ou da volta a Portugal em bicicleta. Desde então muita coisa mudou, mas a Rádio soube sempre preservar o seu lugar e o seu espaço. Para além de uma óbvia companhia na solidão ou nas noites longas de muita gente, é uma  excelente  cúmplice no trabalho ou nas viagens. Pessoalmente continuo a gostar muito de ouvir Rádio em várias circunstâncias: no automóvel, no computador, antes de dormir, ao acordar, durante o dia ou no decorrer da noite, quando estudo ou quando trabalho. Prefiro-a à televisão, em muitos casos. 

Podem perguntar-me se eu poderia viver sem Rádio ? Claro que podia, mas não era a mesma coisa...  Garanto-vos que, na actualidade, sobreviveria muito melhor sem Televisão do que sem Rádio, por várias razões. 

Durante muitos anos fui radialista amador. Produzi, realizei e fiz locução de programas de rádio em estações emissoras locais e nacionais. Enquanto cristão mantive-me cerca de quinze anos como colaborador na locução de programas cristãos-evangélicos no Programa Novas de Alegria de boa memória para muita gente que, por seu intermédio,  teve um encontro pessoal com Cristo. Atravessei o período das designadas rádios piratas em Portugal, nos anos oitenta, produzindo e realizando programas próprios. A rádio continua a ser, ainda hoje, um dos melhores meios de comunicação de massas e chega mesmo onde outros meios com outros recursos técnicos e tecnológicos não conseguem chegar. Do meu ponto de vista, a Rádio irá subsistir a todas as inovações e tecnologias de ponta que forem aparecendo, por razões óbvias e quase redundantes: é simples, relativamente barata, acessível, dúctil, tecnologicamente sustentável e limpa, adaptável aos tempos de modernidade que se vivem a cada momento, e chegando a todos, ricos e pobres.
Eu gosto da Rádio. Felizmente, com algumas excepções,  faz-se muito boa rádio em Portugal.


Jacinto Lourenço

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Intolerância de Ponto...


Pela primeira vez tenho que concordar com o (des)governo instalado em Portugal quanto a uma medida radical tomada: a eliminação da tolerância de ponto no Carnaval . Não, não é pela razão de eu gostar pouco do Carnaval que concordo com o (des)governo, aliás, diga-se em favor da verdade que, eu, não gostando particularmente do Carnaval ou da celebração que ele evoca, gosto sempre de ficar em casa a usufruir de um dia de descanso extra; é que esses dias  já são tão poucos que ninguém se pode dar ao luxo de enjeitar um descansozinho suplementar, muito menos eu. Mas a razão pela qual tenho que vir aqui dar a mão à palmatória e concordar com o (des)governo do país tem a ver com o facto de eu achar que não é necessário que os portugueses se preocupem em produzir ou celebrar Carnaval nenhum pois o (des)governo já anda a fazer isso por eles há mais de um ano. A (des)governação tem sido um Carnaval permanente e, se ao princípio o povo ainda alimentava a esperança  de que Passos Coelho viesse dizer que podiam ficar descansados que afinal era tudo a brincar e de que era como no Carnaval que ninguém levava a mal, depressa percebeu que não senhor, era mesmo a sério,  e que o (des)governo tinha convocado um Carnaval só para os ministros, os secretários de estado, o presidente da república, os membros do partido da maioria e os seus clientes habituais, mais os banqueiros e os representantes do ultra-capitalismo com os seus pontas de lança que dão pelo nome de Troica. Claro que a oposição não gostou nada disso e o PS não se ficou nas encolhas e  tratou logo de arranjar também um Carnaval alternativo com os cabeçudos Seguro e Costa a darem  espectáculo na praça pública para diversão do pagode à hora dos telejornais.

O problema, meus amigos, é que, não senhor, nós não precisávamos realmente do Carnaval para nada. Com tanta maldade que o (des)governo  produz e com tanta diversão que a oposição nos oferece, Passos Coelho, achou que não era necessário que a malta deixasse o conforto dos ares condicionados, quentinhos, dos open spaces do trabalho e fosse para a rua apanhar frio e chuva e, quem sabe, alguma constipação ou gripe que desse para o torto e ainda servisse para aumentar o défice com consultas, medicamentos e ausências ao serviço. Mas  claro que todos sabemos que isso é uma desculpa um bocado esfarrapada, e vai daí, o (des)governo não deu tolerância de ponto . Mas a verdadeira razão para nos retirar o feriado é que o (des)governo, invejoso e incapaz de se sujeitar à livre-concorrência da trapalhada, dos momos, dos cabeçudos, das matrafonas e dos disfarces, não resistiu e cortou  asas às veleidades de quem lhe pudesse fazer frente nos arremedos carnavalescos onde quer continuar a pontuar enquanto a proverbial mansidão dos portugueses o deixar. É isso: o (des)governo não quis concorrência de ninguém, acha que o carnaval que nos tem oferecido chega e sobra e,  aí, eu concordo.

Jacinto Lourenço 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Rodrigo Leão no Grande Auditório do CCB - 8 de Março




Rodrigo Leão é um dos mais importantes compositores do nosso país. Ao longo da sua carreira a solo editou vários discos sempre aclamados pela crítica, contou com colaborações de grandes nomes da música como Stuart Staples, Beth Gibbons ou Neil Hannon, já tocou com Ryuichi Sakamoto e Ludovico Eunaudi e recebeu aplausos de gente como o realizador Pedro Almodovar. 

A Montanha Mágica é o seu novo disco. Com a ajuda de um trio de cordas (Viviena Toupikova – violino, Bruno Silva – viola, Carlos Tony Gomes – violoncelo e Rui Vinagre – guitarra acústica e guitarra portuguesa) e Celina da Piedade no acordeão, Rodrigo iniciou uma viagem mais solitária, onde evoca memórias da sua adolescência, usando instrumentos como o baixo, a guitarra elétrica e até a bateria. 

Rodrigo Leão estava a planear fazer um disco instrumental, mas algumas melodias pediam vozes. Por isso o músico convidou o cantor australiano Scott Mathew, o novo talento paulistano Thiago Petith e o português Miguel Filipe. Música poderosamente evocativa, canções para as palavras que se trazem no pensamento e que só cada um de nós ouve, esta é a proposta de Rodrigo Leão para um concerto que se adivinha a todos os títulos extraordinário. 


Fonte:  www.ccb.pt








sábado, 9 de fevereiro de 2013

Crise...




De um momento para o outro, as acções caíram. Não era possível entender: até há uns dias eram só recordes de alta, uns atrás dos outros. Dinheiro fácil para qualquer pessoa que entrasse no jogo. Agora não. O dinheiro tinha desaparecido. Tanta gente tinha perdido tanto no mercado financeiro que já nem os bancos emprestavam – uns por medo de que os clientes que pediam empréstimos estivessem tão falidos que não iriam pagar nunca; outros porque estavam com as calças na mão.
Sem poderem contrair empréstimos para pagarem as suas dívidas, as empresas faliam umas atrás das outras. O desemprego aumentou, e quem continuava a trabalhar não tinha nenhuma certeza de que continuaria a ter trabalho. Por precaução, as pessoas começaram a economizar, comprando apenas o essencial.
Aí é que as coisas foram para o buraco de vez: as empresas, que já não tinham crédito no mercado, ficaram sem clientes. Falência geral: 72 companhias em 100 fecharam as portas. As que não morreram acabaram gravemente feridas. Até as acções da maior empresa do mundo caíram 80%, depois de terem atingido o seu maior valor de mercado na história. O governo precisava de agir para evitar o desastre completo. Primeiro agiu com a boca, apontando o grande culpado pela crise: a ganância dos investidores, que estavam a transformar a economia num casino. «Vamos restringir as práticas perniciosas dos negociantes de acções», disse o presidente da Câmara. Um analista financeiro resumiu bem o espírito de indignação: «qualquer pessoa poderia ter previsto que a alta das acções a um preço tão superior ao que elas valem teria uma consequência fatal».
Esta história serviria para narrar com alguma precisão o desenrolar da crise de 2008, mas aconteceu em 1697, no Reino Unido.

In Alexandre Versignassi, Crash


Fonte: Pó dos Livros

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Ver Passar os Comboios...



Deixei  partir um, quase vazio, que ia directo ao meu destino. Fiquei aborrecido porque se tivesse chegado à gare 2 minutos antes teria conseguido apanhar aquele comboio, onde arranjaria um lugar sentado. Esses dois minutos resultaram em ter que fazer a curta viagem toda em pé, encostado desconfortavelmente na coxia.

Viajo pouco de comboio, mas lembro-me bem de que, quando viajava mais, por razões profissionais, cada viagem era quase como que uma festa ou um momento de puro relaxamento. Grupos de passageiros que se conheciam há muito apenas por se cruzarem todos os dias, na mesma composição, no mesmo horário, de manhã ou à tarde.  Estranhava-se e indagava-se se algum falhava mais do que um dia ou dois. Sabia-se sempre quando iam de férias os que connosco partilhavam o espaço alegre do comboio.

Lia-se a última obra adquirida ao círculo de leitores em suaves prestações mensais. Capas bem forradas para que não se desbotasse a gravura que havia de enquadrar, lombada bem direitinha, a decoração da estante da sala. Debatiam-se as últimas do futebol, os golos falhados, os erros do árbitro cuja mãe era sempre a vítima mais à mão, as picardias habituais que acabavam sempre numas boas e sonoras gargalhadas. O comboio, do que me recordo, era um momento de  descontraído convívio até à estação de destino de cada um. Nunca se viajava em solidão, nem mesmo quem ia sozinho.

Após ter dado um pequeno e inadvertido encontrão, com a minha pasta de ombro, à jovem senhora que ocupava o lugar  próximo do meu encosto ocasional na coxia, pedi desculpas,  mas não me livrei de um olhar enfastiado e reprovador como se tivesse cometido gravíssima falha não merecedora de perdão. Acomodei-me, tirei da mala "O Ano da Morte de Ricardo Reis", que tenho andado a reler em breves soluços ocasionais, senti-me um espécime raro de uma raça em vias de extinção que insiste em fazer da leitura  um hábito viciante; dei-me conta do rolo no estômago que o dr. Ricardo Reis carregava enquanto subia nervosamente a Rua do Alecrim  afim de  comparecer na sede da polícia política depois de ter sido intimado por uma contra-fé recebida no hotel Bragança. Olhei por sobre a cabeça dos meus companheiros ocasionais de viagem. A composição estava cheia no final da tarde de ontem. Parecia até que todos os passageiros caminhavam com Ricardo Reis,  rua do alecrim acima, desconfiados de um percurso em que nada de bom os aguardava. Rostos fechados; semblantes carregados. Nem o regresso a casa consegue deslaçar a opressão sobre quem terminou um dia de fadiga profissional. A tarde, que envelhece precocemente nesta altura do ano, e os grafites  exteriores que malvadamente nos ocultam a paisagem que bordeja a linha, fazem de  nós viajantes silenciosos e oprimidos por um trajecto todos os dias repetido. Os gadgets ocupam e retiram os espaços de convivialidade de outros tempos, quando apenas se lia e sorria. Ouve-se um  silêncio soturno  e redundante entrecortado  pelo ténue ruido do "pouca-terra-muita-terra" produzido pela  moderna composição. Parece que cada passageiro carrega o peso do mundo sobre si.

Senti nostalgia das minhas boas  e curtas viagens de comboio onde as vozes quase troavam e as gargalhadas  eram soltas e subversivas. Não havia gadgets. Apenas um ou outro livro aberto e o jornal da manhã, maioritariamente desportivo. Outros tempos, sem dúvida, quando não havia troika, nem governos neo-liberais a roubar os sorrisos, mesmo se só as gargalhadas eram livres.

Jacinto Lourenço

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Inquisição em Portugal




"Nosso desejo é, e a este ofício da Santa Inquisição pertence, estripar e arrancar e apartar dentro os cristãos estas malvadas e perniciosas heresias e seitas que a nossa Santa fé católica a qual a Santa madre Igreja tem e prega preservar e seja guardada, para que os cristãos que em ela crêem se hajam de salvar"


Como escreveu Sofia Aparecida de Siqueira: “O Santo Oficio da Inquisição contra a herética pravidade e apostasia inseriu-se em Portugal exactamente no momento da passagem do Renascimento para o Barroco. Configurada pela mentalidade do tempo, a reflectir-se em cada aspecto de sua existência, é exemplo institucional de um período da história do Ocidente. Portanto, é de mister ver-se a história do Santo Oficio em suas conexões com sua  época, isto é, com os séculos da Modernidade.

Importa a reconstituição da atmosfera mental do tempo, quando religião era valor vinculado à vida colectiva, a sugerir ou a comandar a empresa de se vencer o mal pelo bem. Mal e bem conforme aqueles homens, os definiam, haurindo inspirações gerais que dominavam motivos, conceitos, estilos de vida, comportamentos.
Cada época elabora um plano de unidade – que é condição de sobrevivência da sociedade – com seus caracteres próprios. Cria-se, assim, um ‘sistema mental’ que aprisiona os indivíduos como numa cerca e nutre as intolerâncias que o modelam. Este ‘sistema mental’ pode sofrer rupturas. Com essas rupturas lidou o Ocidente e, dentro dele, Portugal, no fim do Século XV e primeiras décadas do XVI.

O descortino de novos mundos e de outros povos fora convite para repensar a realidade e a condição humana. Implicara na renovação das inteligências, dos costumes, das ideias, dos sentimentos e do pensamento. Abrigara desafios à inteligência, o tratamento racionalista dos dados. Fixara uma ideia do progresso: superar a Idade Média, Na ordem político-social, o Estado procurava substituir a Cristandade. Ruía, aos poucos, o mundo teocêntrico, garantido pela autoridade da Santa Sé, do clero, da tradição. Concepções novas dos filósofos enlaçavam-se com opiniões novas dos políticos. Contra os tomistas e escotistas, levantavam-se os nominalistas, buscando liberar a razão das afirmações da fé. Havia uma forte tensão espiritual, resultante de conflitos íntimos. As fermentações críticas rompiam a unidade do pensamento, liberavam uma disparidade que, por sua vez, engendravam a instabilidade dos espíritos. O teste da liberdade, o imperativo das opções que se multiplicavam acabou por aninhar o desassossego até à angústia, Tentando recuperar o Cristianismo, pela volta às fontes puras, mediante enriquecimento pelas filosofias antigas, para a reconstrução do edifício havia-se atingido os seus alicerces, seus fundamentos, e com isto, paradoxalmente, abalara-se o próprio edifício. A razão, intentando servir à crença, ameaçava sacrificar crença serviço da razão.

Essa recolocação dos problemas do espírito favorecia o desenvolvimento de uma actividade livre e independente, Mudava-se, gradativamente, nos diversos países da Europa, a própria maneira de encarar o mundo. Infiltrava-se um pendor sensualista, definido por Campanella, um neo-nominalismo passou a ensinar que se devia partir da experiência sensível pra se apreenderem as coisas.
A ciência empírica procurava libertar-se da física aristotélica para se transformar numa ‘experiência’. O conhecimento oriundo da experiência era confrontado com o conhecimento proveniente das teorias. Muitas das supostas conquistas definitivas da humanidade passavam a sofrer correcções e desmentidos. E alguns homens foram levados, diante dos factos, a formular juízos de valor sobre certas ideias medievais e a fixar novos critérios para aferir os seus conhecimentos. Esboçava-se, em certos sectores, um método que levava a outro tipo de conhecimento racional, ao conhecimento científico do mundo: o exercício da crítica sobre a experiência, tendo experiência como condição para alcançar verdade.
Quando o homem acolheu diferentes concepções sobre si próprio e sobre o mundo, e aceitou novos valores dele advindos, entrou em crise. Crise do espirito, da inteligência e do sentimento. Desorientou-se. Nesse desnorteamento, incluíram-se as suas relações com Deus e o seu comportamento.  Portugal partilhou as crises do Ocidente.

Esse alargamento do campo cultural, elaboração de nova mentalidade, recebeu grande impulso da expansão ultramarina. A orientação experimental que tomou o grupo ligado às actividades náuticas contrapôs-se à cultura universitária, de cunho teórico e livresco, amarrado ao Tomismo.
O catolicismo era a prevalente do génio próprio dos portugueses da época. Por isso, quando buscaram a adopção das novas ideias, dos novos princípios, dos novos costumes, submeteram-nos, primeiro, ao crivo de sua fé e aceitaram o que se escoou temerosamente. Do  naturalismo nas especulações científicas, filosóficas e políticas, foi veículo o franciscanismo – São Boaventura, Guilherme de Ocam. André de Resende, o humanista, um dos melhores representantes do espírito novo, esforçou-se para ser, ao mesmo tempo, christianus et ciceronianus. Francisco Sanches, não obstante seu agudo senso crítico, emudeceu em relação às dúvidas lançadas à crença, Na Rópica Pnefma João de Barros fez a apologia da ‘razão católica’.

Aceitou-se o espírito novo, desde que esse se coadunasse com a autoridade da Igreja e a integridade da crença. O criticismo não poupava a vida religiosa, os usos e abusos da clerezia. Mas a fidelidade acatava a autoridade do Papa, as linhas mestras do dogma e da piedade cristãs, reconhecia a missão do sacerdócio. Buscavam-se modificações – eram próprias das inquietudes do tempo – mas endereçavam-se à cristianização da vida, não ao enfraquecimento da Igreja." [...]


Fonte: O Portal da História

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Não Perder: Ciclo de Conferências sobre o tema "Emigração no séc. XXI"...




Serão oradores os melhores especialistas da actualidade.




A NOVA DIÁSPORA PORTUGUESA - EMIGRAR NO SÉCULO XXI



21 de Fevereiro de 2013
Vale de Azevedo: O mercado de arrendamento em Londres;

23 de Fevereiro de 2013
Dias Loureiro: Abrir uma conta e investir em Cabo Verde;

25 de Fevereiro de 2013
José Sócrates: Aspectos gerais do financiamento de estudos em universidades Francesas;

26 de Fevereiro de 2013
Vítor Constâncio: Ler os sinais do presente para antecipar o futuro;

28 de Fevereiro de 2013
Duarte Lima: Jurisdições internacionais e conflito de competências;

29 de Janeiro de 2013
Luís Figo: Não há pequenos-almoços grátis;

30 de Janeiro de 2013
Fátima Felgueiras: Brasil, riscos e oportunidades;

30 de Janeiro de 2013
Joe Berardo: Preparar o regresso, apostar na cultura;

6 de Fevereiro de 2013
Isaltino Morais: Técnicas avançadas de recursos judiciais.

4 de Fevereiro de 2013
Miguel Relvas: Formação em equivalências universitárias.


In Por Terras de Sefarad

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Justiça à moda Alentejana...



Uma história familiar verdadeira




Dona Capitolina viveu um grande e curto amor. Mas mesmo assim quando o marido lhe morreu de uma morte muito triste, deixou-lhe oito filhos, cinco rapazes, (dois já casados) e três meninas.
Naquela altura começava-se a trabalhar muito cedo, os rapazes de “ganhão” e as raparigas na “monda”. Algumas meninas começavam a trabalhar de terna idade em casa dos lavradores e não poucas eram despedidas depois de servir os baixos instintos de patrões, filhos, ou feitores lacaios.
Uma das filhas da nossa viúva, a Margarida, (as outras ainda estavam em casa), trabalhava no prédio do maior proprietário rural da terra. Dono de herdades, gados e vidas de pessoas. Era ele quem na terra decidia quem tinha direito ao “pão nosso de cada dia”. Nesses tempos, no Alentejo profundo, trabalhava-se os dias todos e comia-se quando era possível. Não se podia afrontar um destes senhores, que eram saudados de chapéu na mão e cabeça baixa.

Um dia a Margarida chegou a casa muito chorosa. Ante as perguntas da mãe, contou que “o filho do patrão, (um rapazola de dezoito anos), a tinha agarrado e tentou fazer com ela algo muito feio, por sorte tinha conseguido escapar”.
Depois de ouvir o relato a viúva fez o que era usual, reunir toda a família e decidir. Mandou as duas filhas mais novas chamar os irmãos casados; ainda nesse dia iam decidir o que fazer como faziam sempre desde a morte do marido.
À noitinha, depois da ceia, estava reunido o Conselho Familiar. Eles usavam já, sem o saber, o “et pluribus unum”. A menina e a mãe falaram, retiraram-se e os cinco homens decidiram; “nunca mais se falar nessa história, e a rapariga amanhã vai trabalhar para o rancho, já tem bom corpo”.
O triste caso esqueceu-se como os homens tinham mandado e a vida continuou como sempre, mansamente.

Frente ao prédio do lavrador, vivia um dos ferreiros da terra. Era um homem evoluído e interessado na política conturbada da época, feita de revoluções e mudanças de governo constantes nos anos que se seguiram à implementação da República.

Todos os serões o rapazola atravessava o medonho negrume da rua, para participar nas tertúlias em casa do vizinho.
Numa noite muito escura, sem luar, mal fechou a sua porta, foi rodeado por cinco vultos de capote e chapéus pretos. Gritou por socorro, os vizinhos assomaram-se aos postigos, mas nenhum se atreveu a ir em seu auxílio. Levou a maior sova da vida dele, esteve quinze dias entre a vida e a morte.

Durante dias falou-se da afronta feita a um patrão tão importante. Jurava-se a pés juntos ter sido façanha de gabirus de passagem, que ninguém da terra se atreveria a tanto. Mas quem foi mesmo nunca se soube, até desaparecer na bruma do tempo.

O senhorinho nunca relacionou o efeito com a causa, tanto que continuou pela vida fora a abusar de mocinhas inocentes. Mas pela Margarida, pagou bem pago.

Humor de Sexta - A Evolução do Zé Povinho....




Fonte: De Rerum Natura