terça-feira, 23 de julho de 2013

Portugal - A culpa não é do Espelho...


Não está a ser fácil escrever sobre o meu país. Quando somos miúdos pensamos que um país é assim como que uma coisa tão grande, tão avassaladora, tão resistente, tão organizada e tão forte que nada ou ninguém o pode abater ou derrotar. Lemos os primeiros livros de história e ficamos esclarecidos acerca da nossa utopia. Afinal , os países, mesmo sendo grandes, poderosos e resistentes,  são constituídos por pessoas. Umas são boas, outras más, umas inteligentes, outras nem por isso, algumas patriotas e outras anti-patriotas, umas capazes outras medíocres. Muitas trabalhadoras e esforçadas e outras que preferem viver à sombra destas. Um país, vamos aprendendo na história passada e presente, e à nossa custa, é tão só e afinal um macro-cosmos onde toda esta gente se move e se organiza ou desorganiza, social e economicamente, onde projecta os seus anseios de felicidade e realização pessoais e colectivos. Um país, na conclusão das coisas, é afinal um espelho de todos nós, do que fomos, do que somos e do que esperamos vir a ser.

O meu país, o nosso país, Portugal, é no conjunto dos países ocidentais um pouco menos que um anão geográfico, mesmo sabendo que não é isso, no fundamental, que faz um país . Pese embora o seu passado, que gostamos de dizer grandioso, marcante no mundo, foi quase sempre mais anão do que gigante. Condenou, também quase sempre, quem nele vive, muito mais à miséria, ao sofrimento e infelicidade do que o contrário. Entregue ao que erradamente chamamos "elites", o seu papel no concerto internacional de antanho foi, grosso modo, o da subserviência, do logro, da artimanha, do "chico-espertismo" e da dependência externa.

Após a aventura liberal, a primeira república e a ditadura de 1926-1974, pensámos que tínhamos finalmente condições para nos olharmos ao espelho e gostarmos mais da imagem que lá víamos reflectida. Sim, pensámos que 1974 podia ser o ano de uma viragem que contrariasse o amargo de boca que a história nos deixou continuamente em herança. Ao princípio, e passado o conturbado período do PREC, até achámos que já éramos meio europeus, daqueles europeus que olhávamos, com inveja contida, mais a norte. A nossa demanda por felicidade pessoal e nacional não tinha limites. Diziam-nos que estávamos no bom caminho e nós acreditámos de boa-fé.

De tão distraídos que andávamos com a nova aventura europeia  nem sequer nos apercebemos que as velhas "elites", as mesmas que tinham feito de Portugal um estado semi-feudal em pleno século XX e que tinham devorado o seu povo, após um breve interregno,  regressavam de novo, chegavam de mansinho, aboletavam-se com os milhares de milhões que por cá aportavam, todos os dias, todas as semanas, todos os meses, vindos  da europa. Compraram bancos ao desbarato, fábricas, jornais, jeeps, ferraris, mansões, montes alentejanos, herdades, propriedades, grandes empresas de serviços, seguradoras, indústrias. Construíram hospitais, pontes e auto-estradas, com créditos baratos obtidos externamente e  deixaram  ao estado, a juros criminosos,  a conta para pagar durante as próximas dezenas de anos.  Dominam nas energias, nas comunicações, na televisão pública que agora é TDT, mas que ninguém vê por problemas técnicos que só têm explicações esotéricas e porque foi projectada para isso mesmo, para ninguém ver e assim cair nos braços das empresas do cabo. Não descuram nem mesmo os lixos. Querem controlar a saúde e, se possível, as forças armadas ou  mesmo as águas. Os seus mentores são fortes, vão dando instruções e conselhos a partir de luxuosos gabinetes em  torres altas de  cidades importantes da europa central onde se fala quase sempre em alemão. O estado, em Portugal e noutros países periféricos, e a sua organização, vão sendo desmantelados: sistema bancário, Serviço Nacional de Saúde, Segurança Social, educação, etc. Fazem leis por medida para dar cobertura a tudo o que querem e aprovam-nas numa Assembleia ao seu serviço. Pagam principescamente a escritórios ditos de grandes advogados mas de moral pequena e ética na mesma medida para que lhe produzam pareceres incontestáveis e incontornáveis.  Respiram confiança impante, sabem que, em  Belém, as suas leis passam sempre e que os ventos e cores lhes são favoráveis. Transformaram as polícias na sua guarda pretoriana, e os polícias, esses, batem forte no povo alegando que estão a fazer o seu trabalho e que é para isso que lhes pagam.

Criam desemprego, sub-emprego, não-emprego. Fecham empresas sem dó nem piedade de quem delas subsistia ou retirava o sustendo pobre da família. Esmagam com impostos, taxas, sobre-taxas e ainda mais impostos e novas taxas.  Negam direitos e não sentem nenhuns deveres nem remorsos. Afinal, o país, o champanhe, os carros de gama alta, os privilégios as prebendas, não lhes custam nada, nem nunca lhes  custaram, sempre os tiveram de mão-beijada. Os seus tribunos vão organizando o circo mediático que traz notícias da  caridade, do pão e do circo que vão distribuindo. Fica-lhes barata a festa. Não são eles que a pagam.

Sim, pensávamos que íamos ser finalmente europeus...

Em 2013, quando nos  olhamos ao espelho da história, a imagem que lá vimos entra-nos pelos olhos e fere-nos a alma. É a mesma imagem de sempre, desfocada  com breves hiatos de ilusão.

Olhamos em volta, em busca de responsabilidades de quem  fabrica espelhos tão maus... Disparamos em todas as direcções menos na nossa. Mas afinal somos nós que "fabricamos" os espelhos onde projectamos a imagem da nossa história.  As tais "elites", parasitárias e oportunistas, só aproveitam as boleias que lhes damos no nosso dorso, seja pelo nosso  sufragar das suas acções, seja pela nossa falta de catarse colectiva, seja pelo nosso imobilismo ou amorfismo enquanto povo e nação. Quando neste Portugal coevo não sabemos aproveitar as janelas de oportunidade que a história nos abre, não podemos pedir responsabilidades a outros pela nossa incapacidade de o fazer. Abril já lá vai e nós por cá ficamos a ver-nos ao espelho numa imagem baça e desfocada. Dá raiva esta atitude complacente e contemplativa de uma portugalidade que só sabe pedir que a deixem existir nas mais velhas fronteiras europeias sem um rasgo ou esgar de assertividade. Sem um falar grosso. Sim, porque há gente que só ouve quando falamos grosso ou damos um murro na mesa.

Não existem caminhos para quem não sabe em que direcção quer ou deve ir .


Jacinto Lourenço