segunda-feira, 18 de março de 2013

Bater no Fundo...



Bater no fundo é uma expressão que ouvimos frequentemente quando se pretende concluir que já não existe mais espaço para se ir mais além, para que  alguma coisa ou acontecimento possa piorar ainda mais. Temos escutado isso mais vezes do que gostaríamos, em Portugal, quando alguém se quer referir ao estado do país e ao seu ambiente económico e social, mas a verdade é que descobrimos que, afinal, o fundo não passa de um fundo falso a que se seguem sucessivamente novos  fundos falsos. Ou seja: quando esperamos que, depois de bater no fundo, venha o tempo de começar de novo, eis que alguém nos vem dizer: "surpresa, afinal ainda há mais fundos falsos"...

Dia após dia, semana após semana, mês após mês e, já podemos dizer, ano após ano, tem sido assim em Portugal e na europa. Até há algum tempo atrás ainda estávamos (pouco) esperançados de que o país iria recuperar porque, afinal, estávamos integrados numa união europeia que não tinha qualquer interesse na nossa desgraça que, a acontecer,  só poderia traduzir-se num efeito de dominó para outros países da europa. Começámos cedo a descobrir que as coisas não funcionam bem assim. Percebemos, com a crise grega, que a europa não só não se interessa pelos problemas dos outros estados europeus, como, quando  esses problemas acontecem, só tem uma preocupação: libertar-se dos problemas, ou livrar-se dos estados com problemas. Arranjou a europa, e quando falo de europa estou a falar da "europa alemã", um processo eficaz para fazer isso: "esmagamento económico-social" dos estados que já estão esmagados pela crise económica. Foi assim com a Grécia, foi assim com a Irlanda, foi assim com Portugal,  tentam que seja assim com Espanha e Itália, mais logo será a França  e agora está a ser assim com Chipre.

A europa não tem nenhuma estratégia para a europa a não ser a da "europa alemã" e esta encontra, pelos vistos,  bons aliados políticos dispostos a aplicar as receitas merkelianas nos países com problemas ou já sob intervenção. E essa estratégia é a  da pilhagem e destruição levando à  exaustão económica e social dos povos dominados.

A história ensina-nos muita coisa. Estou a lembrar-me, por exemplo, de como as tribos germanas derrotaram por dentro o império romano sem necessitarem de fazer uma invasão militar avassaladora e clássica. Foram-se estabelecendo a pouco e pouco, com autorização até de alguns dos últimos imperadores, ocuparam territórios. Depois espalhavam o terror  desencadeando  operações e incursões  de pilhagem à volta dos seus assentamentos. Pelo meio aceitaram   a religião vigente no império e prestaram vassalagem ao imperador. Essa estratégia foi-se dilatando gradualmente. Os exércitos imperiais foram integrando germanos e, quando o imperador se deu conta, mais de cinquenta por cento dos seus legionários  já eram bárbaros, esmagadoramente germanos. Foi fácil, como vimos, para os povos germanos, minarem por dentro o Império Romano. Com a fragilização total do domínio imperial no ocidente, o caminho ficou aberto a posteriores invasões de mais larga escala, nomeadamente , ( além de outros ) por Visigodos, Hunos e Vândalos em todo o território a que chamamos hoje europa. 

Odoacro deu o golpe de misericórdia no Império Romano ocidental submetendo o último imperador, Rómulo Augusto, em 476 a.D.  Não se proclamou imperador mas apenas rei de Itália, submetendo-se ao imperador em Bisâncio que, a bem dizer, nunca se preocupou muito com o que se passava do lado de cá, mas esse momento passou a ser entendido como o que marcou, daí para a frente, o começo da idade média e, na idade média, como hoje, as estratégias políticas de domínio e expansão territorial na europa fizeram-se quase sempre à base da pilhagem esmagamento e destruição dos povos... 

Hoje, a Alemanha moderna também  não precisa de um exército para dominar a europa, como tentou fazer na primeira e segunda guerras mundiais ou como fizeram os seus ancestrais  no dealbar do Império Romano. Ela "instalou-se na europa", através de quase todos os governos da união europeia. As políticas destes governos e destes países, como se vê facilmente no exemplo de Portugal, ou são aquilo que a Alemanha impõe ou não são. E, não sendo isso, os alemães começam logo a dizer, como disseram aos gregos, e como é recorrente ouvir-se à boca pequena, que a "porta da rua é a serventia da casa". Mas o que mais impressiona, o que mais escandaliza, o que mais indigna, o que mais revolta, para poupar no verbo, é que se tenha instalado, como na idade média sob o domínio das tribos e dinastias germanas, uma política merkeliana, que recorre frequentemente ao esbulho, à pilhagem fiscal, como se verificou  agora, mais uma vez, o exemplo do Chipre com o roubo às contas bancárias dos Cipriotas, para impor a vontade germânica aos povos europeus,  exercida por governos fantoches debaixo de um poder mandatado a partir de Berlim, sabendo-se, como se sabe, que essa política se exerce gananciosamente em favor dos interesses imediatos alemães e do  bem estar do povo alemão e de alguns dos seus mais íntimos países satélites, enquanto os outros, os países que sofrem na carne e na alma esta miserável e maléfica política germânica de recorte tentacular, definham e morrem lentamente. O xerife de Nottingham, nos tempos de Robin Hood,  não seria capaz de idealizar melhor estratégia...

Levantam-se agora algumas vozes a dizer que a europa pisa terrenos perigosos, e até o nosso presidente-amorfo da república já tem umas tiradas provavelmente aconselhadas por algum assessor mais atento ao que se passa fora de Belém. Eu precisaria melhor: a Alemanha pisa terrenos Muito Perigosos e arrasta consigo a europa.

A Alemanha não deveria ter esquecido tão rapidamente a sua história, e de que massa é feita a  sua nação, e também não deveria ter esquecido tão rapidamente  que alguns dos  países que agora são alvo da sua rapina económica e social  fazem parte do número daqueles que perdoaram voluntariamente ou que foram obrigados e coagidos a perdoar os milhares de milhões de euros de indemnizações e reparações de guerra pelos prejuízos que os germânicos provocaram  na segunda guerra mundial. Entre esses países estão alguns dos chamados intervencionados economicamente pela "europa alemã".

Sim, Portugal não sabe ainda em que fundo bateu, ou quantos fundos falsos existem antes de que se bata no fundo verdadeiro, porém, a europa, essa, dominada pela "europa alemã", acredito, está já a roçar o seu verdadeiro fundo de degradação e decrepitude com todos os riscos e perigos que isso comporta e arrasta. Ingredientes para uma real implosão económico-social são-lhe todos os dias acrescentados por um bando de loucos que estão à frente dos seus destinos. Vista do ponto de observação de um simples cidadão europeu, como eu, a europa parece um enorme paiol de pólvora controlado por pirómanos doentios que gostam de atear fogos e provocar explosões para depois se deleitarem com a visão das  portas do inferno.  Com o mal que Alemanha tem feito à europa, confesso que às vezes me assalta o pensamento de que  a reunificação alemã possa ter sido um erro...  Mas a história é mesmo assim: tem o seu tempo e o seu caminho,  e essa coisa fantástica de ser feita por  homens e mulheres, nem todos bem intencionados e muitos pouco competentes ou capazes de pensarem ou verem algo além do seu próprio umbigo.


Jacinto Lourenço