segunda-feira, 9 de novembro de 2009

09 de Novembro de 1989

Emocionamo-nos igualmente quando sabemos ter tido a igreja evangélica, em algumas cidades da antiga RDA, um papel fundamental no despoletar de um movimento cívico que acabaria com a reabertura, forçada numa noite, pacificamente pelo povo, das fronteiras para o Ocidente e não só na Alemanha. Já lá vão 20 anos; mas claro, disso, desse papel corajoso de pastores e responsáveis de algumas igrejas evangélicas na antiga Alemanha de Leste, provavelmente não se vai falar muito.

13 de Agosto de 1961. Eu tinha sete anos de idade. A consciência do que esperava a Europa, a partir dessa manhã cedo, era para mim completamente inexistente. Nessa altura eu só pensava em brincar e aprender as primeiras letras na escola primária.
Só mais tarde me habituaria a ouvir os adultos falar da "cortina de ferro", "muro da vergonha" e, pela forma como falavam, dei comigo a associar a expressão a alguma coisa má. Mas não mais do que isso.
Os anos passaram e, pouco a pouco, começou a sobrar-me na adolescência a consciência que faltara em criança sobre a realidade da Europa e particularmente de uma europa "rasgada", contranatura, em dois blocos distintos e bem marcados. De um lado os "bons", do outro lado os "maus". Foi sempre assim que nos abriram a história para que a aprendêssemos. Confesso que, derrubada a fronteira do tempo, me resta ainda hoje uma dúvida, mais dialéctica do que conceptual: saber quem são os "bons" e os "maus".
Vivia-se, nesse tempo, na pequena vila de Lavre, ao ritmo do pulsar dos sentimentos e das conversas em surdina dos trabalhadores rurais alentejanos, oprimidos, sovados, torturados pela polícia política, a P.I.D.E. em conluio com a G.N.R., e explorados pelo regime político vigente então, a ditadura do estado novo de Salazar de que os grandes latifundiários do alentejo eram cúmplices e beneficiários directos.
Não foi preciso muito para que percebesse o que se passava na Alemanha, saída, nove anos antes de eu nascer, da segunda guerra mundial.
Nessa manhã, em 1961, os soviéticos despertaram os Berlinenses com o ruído de uma barreira de homens e arame farpado, construida à pressa, e que apanhou, literalmente, toda a gente de surpresa. Mais do que rasgar uma cidade, dividiu pessoas, famílias, casais, namorados, noivos, pais, filhos, avós, netos. Ao dividir feriu de morte o futuro de um país que se encerraria por detrás de um muro durante 28 anos, até ser deitado abaixo, não sem que antes tivesse sido a causa de centenas de mortes de pessoas que arriscaram tentar a fuga para Ocidente e que cairam às balas dos guardas orientais do muro.
Vimos as imagens desse dia e comovemo-nos. A liberdade é realmente um valor universal e incontornável.
Emocionamo-nos igualmente quando sabemos ter tido a igreja evangélica, em algumas cidades da antiga RDA, um papel fundamental no despoletar de um movimento cívico que acabaria com a reabertura, forçada numa noite, pacificamente pelo povo, das fronteiras para o Ocidente e não só na Alemanha. Já lá vão 20 anos; mas claro, disso, desse papel corajoso de pastores e responsáveis de algumas igrejas evangélicas na antiga Alemanha de Leste, provavelmente não se vai falar muito.
Hoje, quando se celebram vinte anos do derrube ( prefiro o vocábulo "derrube" ao vocábulo "queda" para que não paire a ideia de que caiu por si só...) do muro de Berlim, faz mais sentido para mim a palavra de Deus: "se Cristo vos libertar, sereis verdadeiramente livres".
.
Jacinto Lourenço