Decidi discorrer sobre a necessidade da graça, por causa de alguns irmãos nossos, que se deixaram envolver nesse erro - sem malícia alguma de sua parte, mas envolvidos entretanto. Ao exortarem alguém à justiça e à piedade, julgam que sua exortação opera pela força do homem junto ao homem, para que o esforço humano se exerça. Não crêem que a graça de Deus ajuda. O bom resultado vem unicamente do arbítrio da vontade livre. Como se ela pudesse ser bastante livre para realizar alguma boa obra, sem ser libertada pela graça de Deus. Não percebem ser dom de Deus o fato mesmo de poderem exortar com vigor a vontade preguiçosa do homem e levá-lo a iniciar vida honesta; a inflamar as vontades indiferentes; a corrigir as perversas; a converter as desencaminhadas; a pacificar as rebeldes. Pois só assim podem eles, de fato, persuadir aqueles a quem aconselham. E caso não o consigam, que fazem? De que servem tantos discursos? Que abandonem então os homens a seu livre arbítrio.
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Se conseguem exercer essa influência, que pensem: seria possível ao homem influir tanto com a sua única palavra sobre a vontade do homem, e Deus, com sua graça, nada poderia fazer? Bem ao contrário!
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Qualquer seja a eloquência humana para insinuar a verdade na vontade do homem, pela habilidade do raciocínio e suavidade do discurso, para alimentar a caridade, expulsar o erro pela doutrina e o torpor pela exortação, contudo "aquele que planta nada é; aquele que rega nada é; mas importa tão-somente Deus, que dá o crescimento" (I Cor 3,7). Em vão o operário multiplicará seus esforços exteriormente, se o criador não operar secretamente, no interior.
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"Sem a graça agindo no interior, nada vale a exortação exterior"
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Sto. Agostinho
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(354-430)
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Cartas a Proba e a Juliana: Direção espiritual, p.66-67. Ed. Paulinas.
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Via Soli Deo Glória