sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A Fome não é um Dever Constitucional


Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar,  diz a letra de uma canção muito entoada nos anos posteriores ao pronunciamento  militar que deu origem ao 25 de Abril de 1974  que restituiu a liberdade em Portugal após 48 anos de ditadura de um regime que se esgotara por dentro de si próprio. 
Já lá vão 39 anos de restauração das liberdades cívicas, e hoje, não perdemos ainda a faculdade de ver, ouvir e ler acerca de uma certa ideia de democracia que se fundou entretanto no país, baseada na apropriação do poder político por dois ou três partidos que sempre usaram o Estado em benefício próprio, em benefício dos seus dirigentes, dos amigos dos dirigentes, dos parentes e amigos dos amigos dos dirigentes ou das suas clientelas partidárias que se habituaram a viver de favores partidários repartindo  entre si um  bolo que detinha qualidades inebriantes ou alucinogéneas que durante anos e anos causaram uma euforia incontida em tudo e todos os que giraram à volta da esfera do aparelho do Estado e que  os levava a pensar  que podiam ou  podem fazer tudo aquilo que queriam ou querem, porque depois, sim, depois há sempre o povo para pagar os efeitos da ressaca enquanto, de passagem, se procura convencer essa "gentalha" do povo  que, afinal,  andaram a viver acima das suas possibilidades  e, por isso, agora, têm que aguentar...

Estava a ouvir na rádio, no passado sábado de manhã, embalado pela  plácida pacatez de um fim de semana no alentejo, as notícias de que o tal  "Estado", que é propriedade de alguns amigos que funcionam em círculo fechado, injectara mais de mil milhões de euros num banco privado que era pertença de um comendador qualquer, que entretanto morreu e deixou à sua viúva e filhas o dito banco. Estas não se entenderam  e depois andaram todas à chapada para decidirem quem é que ficava com a maior fatia do bolo deixado pelo senhor comendador. Ora foi neste pequeno banco que o actual (des)governo meteu mais uns milhões para nós pagarmos. Entretanto, o mesmo (des)governo, prepara-se para fazer mais um brutal confisco de 4.000 milhões de euros aos portugueses, mas não a todos os portugueses, apenas aos pensionistas, reformados, doentes, estudantes, desempregados e trabalhadores em geral... Enfim, aos do costume, que fazem sempre o papel do mexilhão agarrado à rocha...  É que não sei se já repararam, mas há um confisco que ainda nem sequer entrou em vigor, isso acontecerá apenas a partir do fim do mês que está a correr, e já se anuncia outro, porventura muito maior e mais agressivo do que os anteriores. Claro que este que se anuncia vem debaixo da capa de um estudo do FMI, feito por uns senhores que passam a maior parte da vida enfiada nuns gabinetes lá para Washington a lidar com números e estatísticas e que devem achar que um ser humano será assim como que  uma coisa  muito próxima de um alienígena, que eles nunca viram a não ser nos filmes de ficção feitos em Hollywood. O problema, sabe-se desde há muito, embora ao (des)governo desse algum jeito fingir pensar que não se sabia , é que as premissas para o tão "elaborado" estudo do FMI, foram fornecidas pela equipa do mago Gaspar ( sim, mago, porque um mago é alguém que se guia pela sorte que as estrelas eventualmente lhe possam trazer...). Ou seja, os tais tecnocratas só nos estão a comunicar aquilo que o (des)governo queria que eles comunicassem e, assim, sempre havia de parecer  que não , que os tipos do FMI é que se puseram a pensar na coisa e tal, e que isto afinal não partiu do (des)governo mas sim desses malandros   do Fundo que, quando não têm mais nada para fazer, jogam à sueca uns com os outros ou vão debitando uns números para nos entalarem.

Ou seja: de uma maneira ou de outra o (des)governo em Portugal o que gosta  mesmo é de dar dinheiro aos amigos, de salvaguardar o dinheiro e os interesses  dos amigos e depois, bem, depois essa "gentalha" do povo há-de pagar com língua de palmo... Se em lugar de servirem para "salvar" um banco, que tem uma posição pouco menos que residual no casino  financeiro em que todos os bancos jogam e que não representa, segundo dizem os entendidos nestas coisas, nenhum risco sistémico, os mil e tal milhões de euros fossem injectados na economia real, quantos empregos seriam criados ? Quantas bocas seriam alimentadas? Quantos portugueses continuariam a viver nas suas casas em lugar de terem que as entregar à banca ? Quantos doentes, que hoje estão a morrer por lhes estarem a ser negados os medicamentos  no Serviço Nacional de Saúde, poderiam continuar a seguir com a sua vida ? Quanto estudantes poderiam continuar a pagar as suas propinas  não tendo assim que abandonar os seus estudos ? Quantos trabalhadores ou desempregados deixariam de ter que emigrar para poderem pôr pão em cima da mesa ?  Quantas crianças  deixariam de depender das refeições dadas generosamente pelas escolas, mesmo quando não estão em aulas ?

Este (des)governo de amigos do alheio que tomou posse abusiva do aparelho do Estado, está literalmente a aplicar a eutanásia à economia portuguesa, aos portugueses, a Portugal. É preciso deitá-lo da cadeira abaixo e não voltar a levar ao poder os que nos conduziram à actual situação, nem que para isso apareçam novos movimentos políticos fundados por cidadãos bem preparados e objectivamente focados em governar a bem de Portugal e dos portugueses, que saibam colocar a política ao serviço da economia e das pessoas. Mais vale uma crise política do que um (des)governo destes que só governa para o seu círculo de amigos. Os portugueses sabem que têm que fazer sacrifícios num momento particular da vida nacional para pagar os desmandos cometidos pelos partidos e pelas hostes partidárias que se locupletaram à sombra desta ideia de uma certa democracia que já corre há praticamente 39 anos, mas nada os obriga a tolerar esta gente por mais tempo. Chega de saque !!

O professor Adriano Moreira que, como sabemos, é "um perigoso esquerdista", afirmou hoje, em entrevista à Antena 1, depois de  perguntado se «devíamos preservar esta "estabilidade política" a qualquer custo» que "a fome não é um dever constitucional". 

Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar !


Jacinto Lourenço