quinta-feira, 17 de janeiro de 2013




Português nascido em Lisboa.
Judeu por linhagem. Por coragem.
Estadista e Financeiro. Comentador Bíblico e Filósofo.



Na belíssima exposição organizada, em 2009, pelo Museu de Arte Antiga à volta do tema “Portugal e o Mundo no séc. XVI e XVII”, em lugar de destaque, “ Os Painéis do Infante”.  Nuno Gonçalves, seu presumível autor, pintor régio de D. Afonso V, deve ter falecido no fim do séc. XV, talvez em 1492. Pouco conhecemos da sua vida e os Painéis encerram muitos mistérios. De certo, sabemos que o Rei o nomeia para esse cargo, em 1450, e que em 1470 é distinguido com a honra de Cavaleiro da Casa Real.   Ainda por provar que seja ele o autor da referida obra. Ainda por identificar as pessoas nela representadas.Ajoelhado está o Rei D. Afonso V ou D. João II? O adolescente será o Príncipe D. João, futuro D. João II ou o seu filho bastardo, D. Jorge?

Na sexta tábua, no Painel da Relíquia quem retrata o vulto austero e majestoso de negro vestido? Um Judeu? Provavelmente, se tivermos em conta “o sinal vermelho de seis pernas, no peito acima do estômago”, sinal identificador desta minoria, cujo uso a Lei Joanina de 1429 [1] tornara uma vez mais obrigatório, bem como os caracteres que se assemelham à escrita hebraica “comentários que correm ao longo das margens parecendo sugerir a prática talmúdica da interpretação e comentário da Escritura”[2]. De acordo com o parecer de Nuno Guerreiro, a chave para decifrar o Judaísmo desta figura que nos Painéis representa a alegoria do Rigor, está na forma como o livro que tem nas mãos está a ser manuseado: aberto da esquerda para a direita. Com efeito os livros hebraicos são abertos desta forma e lidos em ordem inversa.                   
A conotação judaica desta figura de ar severo é também afirmada por Joaquim de Vasconcelos que no Comércio do Porto de 28 de Julho de 1892, a ela se refere: “aponta com gesto arrogante, todo ele vaidoso, enfatuado na sua sabedoria de Rabino para um livro de confusos caracteres fantasiados. É bem o tipo de Sinagoga militante”.[1] Se os Painéis atribuídos ao pintor régio, Nuno Gonçalves, realmente lhe pertencem, se o Rei retratado é D. Afonso V, se a figura majestosa e severa representando a alegoria do Rigor é um Judeu, esse Judeu pode efectivamente ser Isaac Abravanel. “Os historiadores brasileiros, Guilherme Faiguenboim, Paulo Valadares e Anna Rosa, (…) no Dicionário Sefaradi dos Sobrenomes (Frahia, São Paulo 2003) (…) afirmam que este judeu nos Painéis de Nuno Gonçalves pode muito bem ser D. Isaac Abravanel um dos mais ilustres judeus portugueses do séc. XV, estadista, líder da comunidade judaica ibérica, filósofo e rabino cabalista nascido em Lisboa, cujos escritos são ainda hoje estudados”[1]
Alguém que usufruía da completa confiança do Rei: “quanto me era deleitoso viver à sombra dele. (…) Enquanto viveu pude sempre entrar no palácio real e sair à vontade”.[2]

Falando de si próprio dizia Isaac Abravanel: 

“Contente vivia eu em Lisboa, minha pátria e capital formosa do Reino de Portugal na posse de bens da rica herança paterna, em casa cheia de bênçãos de Deus. 
Tinha-me o Senhor concedido felicidade, riqueza e amigos. 
Mandei construir casas para a minha habitação e sumptuosas galerias. A elas concorriam os sábios e de lá se espalhava a ciência e o temor a Deus. 
Então era eu querido no palácio do Rei D. Afonso, aquele poderoso soberano cujos domínios se estendiam por dois mares, feliz em todas as suas empresas, justo, benigno, temente a Deus que evitava o mal e promovia o bem do seu povo e dispensava em seu governo liberdade e protecção aos Judeus”.[3]

Neste excerto, creio podermos destacar quatro pontos essenciais: 
- A importância da sua própria casa como núcleo de cultura e de fé (“de lá se espalhava a ciência e o temor a Deus”). 
- O reconhecimento da fé de D. Afonso V (“temente a Deus”). 
- O seu sentimento de pertença a uma cidade, Lisboa, (“minha pátria”). 
- A benignidade com que o Rei tratava o seu Povo (“dispensava em seu governo liberdade e protecção aos Judeus”). Segundo afirmava descendia do Rei David. Não é possível recuar tanto na sua genealogia mas encontrámos referências a Joseph Abravanel, colector de impostos de D. Afonso X de Castela e Leão, (1252-1284), Rei que em Toledo, reuniu à sua volta tradutores cristãos, judeus e muçulmanos incumbidos de verter para o Latim e para o Romance, obras da Antiguidade guardadas pelos sábios do Islão. Textos desta Escola de Tradutores vieram a ser objecto de estudo em universidades medievais como Bolonha, Oxford, Paris, Salamanca, Coimbra. “Este monarcha pelo seu dedicado amor às ciências e às letras, que cultivou com singular aptidão, mereceu que a posteridade o cognominasse de “Sábio”. Dadas as suas tendências não é de extranhar vê-lo estender a mão protectora aos judeus, que tanto se haviam assignalado em mais de um ramo do saber humano. A nação proscripta encontrou nele um verdadeiro Mecenas. Chamando para junto de si os mais notáveis, o Rei artista veiu a ter nelles poderosos auxiliares para os seus trabalhos (…) Toledo tornou-se o foco dos estudos; abriram-se de novo as synagogas, onde os rabbinos explicavam tranquillamente ao povo a lettra da lei: erigiram-se cadeiras de hebreu; construíram-se judiarias; Platão e Aristóteles, Avicena e Euclides foram vulgarizados graças a esta effervescencia de estudos, que D. Afonso X animava corajosamente. Philosofhos e astrónomos, gramáticos e historiadores assignaláram distincta e notavelmente este período da sua história”.[1] [...]


Fonte: Por Terras de Sefarad

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