terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Religião, a Mulher, a Moral e a Sexualidade revisitadas no Século XII na Europa Ocidental.



...Sob a influência de S. Jerónimo e de uma tradição patrística hostil à mulher, esta é apresentada sobretudo como a filha de Eva , origem de todos os males e principal protagonista do pecado. Aos olhos dos autores eclesiásticos, ela só se torna digna de interesse e estima  se possuir qualidades viris. Daí os elogios proclamados a rainhas ou imperatrizes que souberam fazer esquecer, pela firmeza do seu comportamento, a fraqueza própria do seu sexo. Existem, certamente, formas de vida religiosa para uso das mulheres: a par de algumas reclusas, fechadas nas suas celas, numerosas monjas levavam uma vida comunitária  e piedosa, orientada pela regra de São Bento. Mas na maioria das vezes a entrada nos mosteiros era subordinada ao pagamento de um dote, o que efectivamente instituía um numerus clausus. Por outro lado, se as virgens consagradas e as viúvas beneficiavam de uma certa consideração, o mesmo não se passava com as casadas. As que pertenciam à alta aristocracia podiam desempenhar um certo papel na vida religiosa do seu tempo, concedendo favores à igreja e multiplicando as fundações monásticas. Mas tal privilégio encontrava-se reservado a um pequeno número de damas notáveis. A totalidade das mulheres casadas não tinha quaisquer perspectivas religiosas, e o casamento apresentava-se, sobretudo, como um obstáculo no plano da salvação. De facto, aos olhos do clero, a vida sexual é uma consequência do pecado e as relações conjugais,  toleráveis unicamente tendo em vista a reprodução, constituem sempre um pecado, pelo menos venial, na medida em que se fazem acompanhar de prazer. Para não ser fonte de pecado, o acto carnal só deverá ser realizado a contragosto e São Pedro Damião não faz mais do que dar um exemplo impressionante desse generalizado estado de espírito quando apresenta aos leigos o exemplo do elefante que, levado ao acto de propagação, volta a cabeça, mostrando assim que actua constrangido pela natureza, contra a sua vontade, e que tem vergonha e desgosto por aquilo que faz. Por isso, os esposos raramente deviam comungar e, em qualquer caso, deviam abster-se de toda a relação carnal antes de receberem o sacramento. Se pretendessem verdadeiramente obter a salvação, ser-lhes-ia necessário viver na continência.[...]


André Vauchez - A Espiritualidade da Idade Média Ocidental, Séc. VIII a XIII, páginas 113,114 - Editorial Estampa