quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A Igreja MotoSerra...

Podemos ser uma igreja que actua de forma artesanal ou industrial

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Avistei uma árvore caída na rua. As raízes romperam o duro cimento da calçada e ela tombou – o que antes fora um enorme ser vivo, agora era um toco agonizante. Abatida e torcida, a árvore parecia gemer com as suas fracturas expostas. Continuei andando e pensando o seguinte: uma coisa é derrubar uma árvore com um machado, e outra, bem diferente, é abatê-la com uma motoserra. A natureza recompõe-se e renova-se. Não podemos dizer que o lenhador seja um agressor, que por capricho e raiva abate as pobres árvores. No entanto – pensava eu enquanto caminhava –, o mesmo não podemos dizer daqueles que derrubam árvores com potentes motoserras. As grandes, derrubadas para atender às demandas industriais, à primeira vista, parecem que são mais velozes do que a natureza no seu esforço para se recompor. É claro que estes pensamentos me ocorreram e eu não tinha a menor pretensão de sistematizá-los, ou sequer de que fossem coerentes. Simplesmente estava pensando enquanto andava, até que encontrei um pastor que estava à porta do templo esperando outros colegas para uma reunião de oração. Ele me disse que regularmente um grupo pequeno de pastores se reúne ali para orar e pensar no que chamou de “ferramentas adequadas” para a construção dos seus ministérios. Foi neste instante que falou algo que me intrigou: “Nós podemos realizar o ministério com várias ferramentas. Podemos usar um serrote ou podemos usar uma motoserra. Onde estamos e o que queremos é que vai determinar o tipo de instrumentos que queremos usar.” Apanhei um susto quando ele disse aquilo. Parecia que o diálogo com ele não se situara à volta do que eu falava com ele , mas do que eu pensava para mim. Por uns instantes, fiquei calado, sem saber o que representava aquela coincidência. Os outros pastores chegaram e o diálogo sobre ferramentas ministeriais terminou sem que eu dissesse nada sobre o que vinha pensando acerca de machados e motoserras desde que vira aquela árvore tombada na rua. A primeira coisa que me veio à mente foi a de que podemos optar por sempre ser uma igreja que produza em escala industrial. É óbvio que, para conseguir esse objectivo, é necessário ajustar-mo-nos aos procedimentos típicos de uma indústria. Numa igreja com este ênfase, tempo é dinheiro, templo é a marca, a eficiência é tudo, os media são o padrão e as pessoas são números. Convenhamos que uma igreja que se organiza assim e produz em função disso, está adequadamente afinada com o espírito da nossa época. Noutras palavras: podemos ser uma igreja com “motoserra”, que só actua pensando na produção em larga escala e aceita os desafios de hoje impostos pelo mercado religioso. Já uma igreja que entende que o seu trabalho não pode ser generalizado e impessoal prefere talhar o carácter dos seus membros. Para isso, o trabalho tem que ser artesanal. Peça por peça, vida por vida. As particularidades de cada um não são a excepção. Para quem tem a missão de formar pessoas usando como modelo o próprio Jesus Cristo, não há pressa. Estamos falando de uma igreja comunitária, onde os vínculos profundos se formam. Nesta igreja, tempo é partilha, templo é aconchego e discipulado é a pérola de grande valor. As pessoas ali sabem que Deus as conhece pelo nome e as ama – é por isso que a igreja por elas se interessa, pretendendo também conhecê-las e amá-las. Uma igreja artesanal lida com a complexidade humana, sem simplificações dos chavões religiosos e sem as subtilezas da linguagem de um marketing viciado e agressivo. Devemos promover um ministério marcadamente artesanal, onde cada um ponha a mão na parte que lhe cabe, definida pelo Espírito Santo, para a execução daquilo que Deus define como a nossa tarefa para este tempo. Queremos e devemos produzir, construir, edificar, mas sem causar males à natureza do Evangelho e às pessoas. O que pautará a nossa atitude é o carácter de Cristo e não o espírito mercantilista do nosso tempo. É notório que as igrejas que caem na tentação de actuar com motoserra acabam por sofrer pelos seus próprios desvios: conseguem visibilidade, mas anunciam, com os seus discursos, práticas e alianças que renunciam ao essencial para não perder o emergencial. Que rumo o Senhor quer que tomemos? As respostas que a igreja de Antioquia encontrou, mencionadas em Actos 13 podem ajudar-nos. Ali havia profetas e mestres – mas ambos os ministérios procuravam entender e compartilhar a palavra de Deus. Profetas anunciam coisas novas, convidam aos rompimentos, estimulam, inquietam, provocam, confrontam. A voz profética é, sobretudo, uma voz que lembra aos esquecidos o rumo apontado e determinado por Deus. E o Senhor não está retido no passado distante. Deus fala, e fala ao homem de hoje. Quanto aos mestres, esses ensinam apontando para a revelação de Deus e fazem-no com a sua própria vida. O verdadeiro mestre é aquele que experimenta o conteúdo do que ensina. Que haja entre nós a voz de Deus que anuncia as coisas novas e a voz de Deus que não nos deixa esquecer a sua revelação ao longo da história.
Valdemar Figueredo Filho