terça-feira, 15 de setembro de 2009

Somos todos "mimos"

O meu filho André, o mais velho dos três, que é casado e portanto já não habita comigo, foi em trabalho até um país do mediterrâneo. Nós já brincamos com as suas deslocações, mais ou menos frequentes àquela região, porque o seu tom de pele moreno cobreado e o facto de gostar de usar o cabelo curtinho, emprestam-lhe uma certa aparência dos naturais do país onde está neste momento. O seu francês fluentíssimo, em lugar de ser um elemento facilitador com os populares, que têm essa língua quase como materna, tem-lhe acrescentado algumas dificuldades nas deambulações profissionais; os habitantes acham que ele tem que falar a língua nativa e não o francês ( que só estará a usar por pedantismo ou anti-patriotismo - pensarão eles ), ora o André nunca aprendeu árabe... Há mesmo alguns funcionários de lojas que se recusam a atendê-lo por ele se lhes dirigir na língua francesa... Mas o André lá vai explicando, como pode, que é de origem portuguesíssima, filho, neto, bisneto, trineto e etc, de portugueses que, por sua vez, o são também de outros portugueses de gerações mais antigas ainda.

Mas nada ! De cada vez que vai em trabalho, por alguns dias, a um dos países daquela zona do globo, acontece-lhe sempre o mesmo. Valham-nos o optimismo e o humor que se retiram da situação. Mais tarde todos nos rimos, a bom rir, das histórias que nos traz destas incursões e confusões.

Mas agora foi à sua chegada no aeroporto local de destino. Durante o mini-interrogatório a que foi sujeito, no controlo de passaportes, questionaram-no sobre qual a razão que levou os seus ascendentes familiares a emigrarem para Portugal e não para França... ( e eu até compreendo a estranheza do funcionário... Porque raio alguém havia de ter querido emigrar para Portugal, país paupérrimo nos anos 60, quando se deram as principais vagas de emigração para a europa ? E porque razão o fariam, ainda por cima, os habitantes de uma ex-colónia francesa...? ). Claro que o André teve que explicar tudo do princípio, como da primeira vez que o contou. Da próxima, vou propor que me leve consigo, assim sempre lhe será possível provar, de imediato, que o pai não é nada moreno ou pelo menos é menos moreno que ele, que por acaso atirou à mãe, que é tão europeia quanto eu ou ele.

Acho que o exemplo do que acontece ao meu filho André, é flagrante, e ilustra bem o facto de muita gente ainda acreditar que a nossa identidade é espelhada pela nossa cara. Na verdade, nada mais fácil de iludir.

Somos todos "mimos" ! Isto é, sabemos e podemos utilizar expressões miméticas contrárias aos sentimentos que estarão a dominar-nos intimamente em determinado momento. Extremamente falaciosa, esta atitude . Enganadora para quem acha que até podemos estar a ser sinceros.
Normalmente pensamos que conseguimos avaliar o que exteriormente deixamos transmitir com o nosso rosto, olhando olhos nos olhos, mas nem isso é garante da fidedignidade do que se passa efectivamente no nosso coração e nem mesmo o coração nos traduz sempre toda a verdade.
Para além do mais, somos igualmente mestres na arte da camuflagem. Quais camaleões humanos, adaptamo-nos ao fundo ou ambiente que nos cerca. Por uma questão de sobrevivência ou de falta de coluna vertebral.
Andamos por vista e por obras, quando a Palavra de Deus nos recomenda que andemos pelo seu Espírito, pela sua Graça e pela sua Palavra. Percebemos em Isaias 11: 1-3 que esta é a forma de Cristo andar :
1 Porque brotará um rebento do tronco de Jessé, e das suas raízes um renovo frutificará. 2 E repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, e o Espírito de sabedoria e de inteligência, e o Espírito de conselho e de fortaleza, e o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR. 3 E deleitar-se-á no temor do SENHOR e não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos.
Como vimos, a nossa identidade, ou a identidade que os outros nos querem atribuir, ou ver em nós, pode assentar em pressupostos absolutamente falseados.
Tendemos a olhar à cor da pele, à cor dos olhos, dos cabelos, enfim, ao aspecto físico, para fazer juízos de valor sobre quem temos à nossa frente e, normalmente, somos enganados pela nossa intuição ou pela capacidade mimética do nosso interlocutor.
Até mesmo o nosso cartão de identidade pode trair a análise primária à identificação, por essa via. Bilhetes de identidade são falsificáveis, como muito bem sabemos.
Pensamos muitas vezes que as vivências miméticas se reduzem às pessoas com quem convivemos no mundo de trabalho ou nas nossas actividades humanas, fora da igreja. Depois lembramo-nos dos Fariseus. Os piores "mimos" que conheço na Bíblia. Fáceis de identificar, de reconhecer. Não escondem ao que vêm. A Luz é para eles mais prejudicial que a sombra. Denuncia-os, projecta-os, separa-lhes e contorna-lhes a silhueta pecaminosa. É por isso que muitas vezes se escondem nas zonas escuras das igrejas ou à sombra larga dos templos. Aí tudo se confunde aos nossos olhos. Deixamos de perceber quem é quem. Só Cristo entende e denuncia. Nós, só pelos frutos os conheceremos, através do tempo.
Hoje, na igreja de Deus, os "mimos" são tantos ou mais do que os fariseus, mas ao contrário destes, vestem-se de "luz" para evitar a projecção da sombra denunciadora da silhueta falaciosa.
Há uma marca identitária que não deixa ninguém ficar enganado. Ela define-nos a identidade enquanto cidadãos dos céus.
Existe um versículo bíblico que diz claramente quem somos e porque somos :
1ª João 3:14 “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos; quem não ama a seu irmão permanece na morte.”
Este verso bíblico fornece-nos como que um género de "chip" espiritual, uma marca identitária do cristão e a sua posição perante o Reino Celestial e o reino terreno, e ninguém a consegue imitar, "mimar", copiar ou falsificar. Ela clarifica e indica como se pode reconhecer um cidadão dos céus. Aqui não há camulagem possível nem habilidade mimética que valha. Ou somos ou não somos! Nessa medida, será fácil, sem nenhuma confusão, identificar um filho de Deus, independente da sua cor de pele, do seu local de nascimento ou do seu posicionamento geográfico em qualquer momento da sua vida.
Jacinto Lourenço