Parece óbvio, a avaliar por aquilo que a esmagadora maioria dos economistas dizem ( excepção feita a alguns indefectíveis da esfera do governo ), que o governo do PSD e do CDS entrou num processo de aventureirismo económico-financeiro ao introduzir cortes em tudo o que são gastos sociais e salários dos trabalhadores para além da sobrecarga de impostos, directos e indirectos, que incidem especialmente sobre a classe média e pensionistas que, como é sabido, representam a maior fatia da população portuguesa. Tudo o que cheire a capital, o governo limita-se a assobiar para o lado e passar à frente. É claro que todos concordamos que alguma coisa teria que ser feita e nomeadamente no plano da reorganização e reestruturação de muito do que diz respeito à componente social do estado e à adaptação desta à nova realidade económica, mas daí a querer resolver o problema de Portugal só à custa de cortes loucos, brutais e inconsequentes no que respeita aos seus efeitos futuros para Portugal, vai uma grande distância.
As razões que foram invocadas pelos partidos do actual governo para chumbarem o anterior PEC IV do então primeiro ministro Sócrates esboroaram-se agora com as medidas tomadas. O PEC IV, ao pé destas criminosas medidas, era uma brincadeira de crianças. Provavelmente, o dito PEC, não iria resolver os problemas do país porque a contingência internacional iria continuar a esmagar-nos e a empurrar-nos para o resgate financeiro, mas o remédio que o governo aplica agora, de acordo com os economistas da nossa praça, resolve ainda menos e é um "afundanço" total na vida de todos nós. Um governo que só consegue tomar medidas destas para resolver os problemas, não revela inteligência política nem coerência com o que disse e prometeu em campanha eleitoral. Dir-me-ão que as medidas são tomadas porque estes responsáveis do PSD e CDS não tinham noção dos problemas económicos. Mas se foi isso, a pergunta que urge fazer é o que é que PSD e CDS andaram a fazer durante todos estes anos e porque é que não acompanharam a realidade económica ? Que se saiba, e até prova em contrário, os governos de José Sócrates, mesmo agindo mal no plano dos níveis de endividamento, não ocultaram dívida como se fez na Madeira, logo era obrigação dos restantes partidos acompanharem o que se passava e, como todos sabemos, nem sequer seria necessário pedirem aos ministérios para lhes mostrarem as contas já que existem em Portugal um conjunto de organismos públicos que as acompanham e mostram ciclicamente. Porque é que decidiram não o fazer ? Mas afinal qual é o trabalho que os partidos têm no parlamento e nas muitas comissões que existem no âmbito deste para acompanhamento de tudo e mais alguma coisa ? E não podemos esquecer também que os partidos com assento parlamentar são sustentados pelo estado para fazerem um trabalho e esse trabalho, no governo ou na oposição, consiste em defender os interesses de Portugal e dos portugueses. Então porque é que os partidos deste governo só agoram deram com o "gato" ? Andaram a dormir durante seis anos ? Estavam distraidos a ler os jornais nas sessões enquanto as lautas regalias lhes caiam mensalmente na conta ? Estavam a despachar processos nos seus escritórios particulares? Eles lá saberão responder.
O que me parece é que o PSD e CDS tinham sede de poder e clientes à espera. O resto logo se veria. E o resto é o que se vê. Um governo que actua desta forma irresponsável tem o destino traçado, tarde ou cedo. Para além de tudo revela falta de preparação, capacidade e criatividade para atacar o principal problema português: O estado e o seu aparelho que consomem muito mais de metade do nosso PIB. Limita-se a fazer a gestão da facilidade, a carregar sobre os mesmos de sempre mas desta vez com resultados que nos parecem a quase todos desastrados e desastrosos.
Uma última nota sobre o voto. Será justo questionar o voto e aquilo que ele encerra. Desde o 25 de Abril de 1974 que os portugueses andam a votar quase sempre nos mesmos partidos que nos têm conduzido à situação em que estamos; será que já se interrogaram que, mais do que a cor partidária, no momento de votar, o que devia ser questionado era a idiossincrasia do partido em que vão votar ? Isto é, aquilo que move esse partido, a sua vocação política , o seu posicionamento, as suas ideias para os grandes problemas de Portugal e a sua capacidade real e vontade de os resolver em prol do bem estar daqueles que se propõem servir. Aquilo em que se funda, as suas origens, as suas doutrinas económico-sociais. Isso sim, parece-me relevante e mais importante que tudo a ter em conta no momento de lançar o voto à urna. A cor, como é bom de ver, é apenas uma bandeira e pode ser mudada a qualquer momento e de acordo com os interesses das clientelas do partido. É talvez por isso que neste momento muitos dos seiscentos mil funcionários públicos estão a interrogar-se sobre a utilidade do seu voto e aquilo que os políticos, quando acedem ao poder, fazem com ele.
Jacinto Lourenço