Podemos chamar-lhe o que entendermos, crise do euro, crise da dívida, crise europeia, americana ou chinesa, mas na verdade aquilo para que teremos que nos preparar é provavelmente para um recuo civilizacional.
Maioritariamente, os países mais desenvolvidos, os que efectivamente controlam a economia mundial, chegaram a um beco sem saida. O sistema capitalista transformou-se num monstro monetarista sem controlo que abocanha as economias, os governos, os estados, os cidadãos e os destrói gradual e paulatinamente. A vida das pessoas, a família, o trabalho, o desenvolvimento cultural e social são hoje valores subjugados completamente a essa coisa prosaica que é o dinheiro e ao acumular do mesmo. Na actualidade, quando se fala de mercados, fala-se de gente que se esconde por detrás de organizações supostamente sérias mas que na verdade encobrem uma actividade altamente especulativa e destrutiva das economias reais dos países cujos governos se hipotecam ao limite para supostamente promoverem um desenvolvimento que não é sustentado pelas economias reais, por aquilo que os países produzem em termos de mais valias do seu trabalho. Hoje, os governos e os governantes são meros administradores de dívida pública ou gestores de hipotecas políticas em benefício dos ditos mercados. Ou seja: a política e os políticos são meros factores instrumentais de alimentação de pérfidos interesses. A questão que se coloca é se eles, os políticos, não percebem isso ? Claro que percebem. Mas essa é também a única razão pela qual se mantêm na política e anseiam aceder ao poder; sabem que só assim terão oportunidade de partilhar o que os mercados espurgam aos povos.
A razão última, em minha opinião, pela qual os políticos do mundo dito desenvolvido apostam cada vez mais neste regime capitalista-monetarista selvagem é porque fora dele não teriam hipóteses de sobrevivência. Os mercados, esses, continuam a precisar de homens de mão, que façam o seu trabalho sujo de manter os povos em sujeição através da ilusão de que são livres para escolher os seus representantes. Na prática, essa liberdade só existe de quatro em quatro anos e, tomando o exemplo português, os povos só têm a liberdade de escolher sempre os mesmos que os arruinam cada vez mais.
Acredito que este estado de coisas, a nível mundial, é insustentável. As nações começam a despertar para a realidade quando o seu modelo de vida começa a ser tocado de perto pelas exigências dos mercados que apertam o cerco ao perceberem que o seu dinheiro poderá não ter retorno.
Perante este cenário, não vejo como se pode reinventar um sistema que chegou ao fim. Todos os impérios têm os seus ciclos, quase todos se impõem pelo medo e pelo terror, mas quase todos caem com estrondo. Com este império do dinheiro não vai ser diferente. Cairá com estrondo. Isso afectar-nos-á a todos de uma maneira que não podemos ainda adivinhar, mas não tenho grandes dúvidas de que vai acontecer, e isto não tem nada a ver com previsões delirantes ou futuristas. É uma simples observação da realidade que vivemos.
Jacinto Lourenço