sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Rei vai Nu...


Sobre a polémica instalada nos meios de comunicação, e meandros da política nacional, com as palavras do presidente do parlamento europeu, Martin Schulz, à volta da visita de Passos Coelho a Angola e do seu apelo ao investimento angolano em Portugal, foi curioso ver como as habituais vozes dos aparelhos partidários com representação parlamentar cairam em cima do sr. Schulz, "como gato a bofe",  mesmo se uma boa parte das críticas ignoram o contexto das palavras do senhor. E foi curioso ouvir a "indignação" das prima-donas nacionais especialmente porque essas defensoras vozes do orgulho português não foram capazes de se levantar na verberação das palavras da sra. Merkel sobre a Madeira ( com uma ou outra excepção de deputados naturais da ilha ou representantes da região autónoma ), bem mais graves que as de Schulz porque tiveram como pano de fundo uma ingerência clara, abusiva e inaceitável por parte de um chefe de governo estrangeiro em assuntos internos portugueses. Não vem para o caso aqui saber ( e eu não sei ) se os dinheiros aplicados na construção de túneis e vias-rápidas madeirenses resultaram ou não em aplicação coerente e rigorosa de fundos europeus. O que é interessante é que toda a gente, especialmente na esfera do governo, fingiu não ter ouvido a ingerência política de Merkel nos assuntos internos portugueses. E isso é grave, porque configura uma subserviência total à Alemanha, que se acha à vontade para repreender países soberanos acerca do modo  como fazem a aplicação dos dinheiros dos fundos de coesão. Esse é aliás um assunto que compete aos orgãos da UE e não a qualquer país membro fiscalizar.

Cabe perguntar onde ficou a indignação e reprovação pública do governo português face ao arrazoado de Merkel sobre a Madeira ? Será que o governo alemão se ficaria nas encolhas se algum membro do governo português fosse querer repreender a Alemanha pela forma como esta aplicou o dinheiro comunitário nas muitas obras  de reabilitação realizadas  na parte Leste do país desde a reunificação? Claro que não. Mas por cá, sobre as palavras da chanceler sobre a Madeira,   Passos Coelho e a malta do seu governo assobiaram para o lado e seguiram em frente numa atitude de quem não quer contrariar a "chefe".

O problema de Schulz não está em não ter razão no que disse, ( mesmo se ignorarmos que  se referiu vagamente à visita recente da sra. Merkel a Angola, que não foi apenas, com toda a certeza,  para matar saudades de José Eduardo dos Santos...) está em ser apenas presidente do parlamento europeu e ser nessa medida igualmente um alvo muito mais fácil e cómodo para as ofendidas prima-donas da nossa política interna. O que Schulz viu, qualquer português vê, mesmo se o dinheiro, como disse Vespasiano, não tem cheiro, e nem cor, como afirmam tantos outros que dele preferem ter  sempre uma visão inócua..., ainda  que não desinteressada.

Tenho por Martin Schulz alguma simpatia e acho que ele deveria ter vincado melhor o que queria dizer com o exemplo que deu, até porque, como bem sabemos, os nossos políticos são quase todos falhos de entendimento das coisas básicas e óbvias; mas acho também que aquilo que sobrou de franqueza em Schulz faltou em coluna vertebral ao governo português e às prima-donas da nossa política para lembrar à senhora Merkel que ela não é, pelo menos ainda, a imperatriz europeia que governa a partir do seu trono de Berlim, ainda que  para muitos governos europeus isso já seja uma realidade.

Jacinto Lourenço