quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Portugal, os Burros e Passos Coelho...


Há uns anos, o Ministério da Economia encomendou um inquérito para perceber como os outros Estados europeus olhavam para Portugal. Na altura, escrevi uma coluna sobre o assunto. À pergunta - a que animal associa o país? -, a maioria respondeu: o burro. Poderia ter sido a águia, que nos faria voar de alegria. Ou o touro, que nos faria inchar de orgulho. Infelizmente, calhou-nos o burro.

Não sei se era a isto que Pedro Passos Coelho se queria referir - à maneira como os outros países nos olham e avaliam - quando de repente se indispôs contra a lamechice nacional. Mas não percebendo o objetivo político de Passos nesta incursão, fiquei a remoer o assunto: será que somos realmente um povo pedestre, dócil e amanteigado, como tantas vezes se diz, e o primeiro-ministro pareceu confirmar?
Não tendo resposta objetiva para esta súbita inquietação metafísica do Governo (logo numa altura destas), saltei para outra dúvida: num país menos sentimental do que o nosso - menos piegas, portanto -, esta frase, dita por um primeiro-ministro, seria interpretada de que forma? Imaginei Merkel perorar contra a rigidez dos alemães. Ou Sarkozy lamentar a vaidade francesa. Ou ainda Monti atacar o excesso de boa disposição dos italianos. Na verdade, nunca os ouvi dedicar-se a temas tão... intestinos. Porque será?

Para responder, não tenho alternativa senão citar, não Camões, embora o caso pedisse, mas um político de olhos bem abertos: Winston Churchill. No meio da guerra com a Alemanha, com o Reino Unido a fazer um brutal esforço financeiro, um grupo de ministros quis cortar as despesas supérfluas, entre as quais as ligadas aos poucos eventos culturais que ainda havia. Confrontado com a ideia, Churchill respondeu: meus senhores, se cortarmos aí, esta guerra serve-nos para quê?!
O homem da frase "sangue, suor e lágrimas" (a tirada é de Garibaldi, foi usada por Roosevelt e depois celebrizada por Churchill) sabia do que estava a falar. As pessoas reconheciam nele a inteligência para, apesar de tudo, conseguir dosear as decisões. A legitimidade para exigir sacrifícios vinha do medo dos alemães, sim, mas também da confiança que soubera construir à sua volta.

Na fase em que Portugal se encontra, não precisamos de um Governo com medo de falar. Mas se é vital termos um primeiro-ministro, digamos, decidido, é importante que não confunda austeridade com uma (vaga) autoridade moral que não tem e que, na verdade, ninguém deseja. No meio de uma guerra há coisas que não se dizem. Nem sequer no Carnaval.


André Macedo in Diário de Notícias Online