terça-feira, 16 de junho de 2009

Não Somos um Tumor Maligno, Mas...

Exactamente há 140 anos, “O Apóstolo”, o único órgão de imprensa do catolicismo na capital do Império, publicou nas edições de 7 e 14 de março de 1869 diversas alusões acentuadamente depreciativas ao protestantismo. (O bispo da então Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro era Dom Pedro Maria de Lacerda, discípulo e colaborador de Dom Viçoso, de Mariana, MG.) Uma delas dizia que “o protestantismo, semelhante ao pólipo, só produz incrustações e sedimentos”. Outra afirmava que o protestantismo “é perigosíssimo” porque “tem causado guerras muito sanguinolentas e a efusão de jorros de sangue”. Para o jornal “é da Reforma de Lutero que saiu no século XVI este monstro que gerou a Revolução Francesa, que perverteu e desmoralizou as nações, que cobriu a França de crimes e a inundou de sangue, que fez dos povos gladiadores, das nações, grandes açougues de carne humana”.Todavia, entre as muitas críticas infundadas, provocadas pelo espírito da época, uma tem razão de ser: “O protestantismo está subdividido em centenas de seitas: em qual delas está a verdade?”No ano anterior, em julho de 1868, numa reunião promovida por alguns estudantes da Academia de Direito de São Paulo, no Largo de São Francisco, para debater o protestantismo, o estudante Alfredo de Queiroz, do quinto ano, tomou a palavra e contestou a questão da unidade protestante, dizendo que “só nos Estados Unidos há cinquenta denominações evangélicas” (hoje são 6.161 nos Estados Unidos e 33.820 ao redor do mundo, segundo o “Dictionary of Christianity in America”). Como representantes dos protestantes, estavam presentes dois pastores presbiterianos: o americano Robert Lenington, de 35 anos, e o madeirense Emanuel Nathaniel Pires, de 30. E entre os estudantes estava o jovem Joaquim Nabuco, de 17 anos, aquele que viria a ser o notável político, diplomata, historiador e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Alguns anos depois, numa conferência para advogar a liberdade religiosa, Nabuco pronunciou-se a respeito daquela histórica reunião, alegando que ela foi injusta por ter dado muito tempo aos estudantes católicos e poucos aos ministros protestantes, e fez a seguinte confissão: “Desde então, eu abomino a intolerância com o ódio do remorso e dessa falta venho hoje fazer penitência”.“O Apóstolo” de 2 de agosto de 1868 tem toda razão: “Ramos cortados de uma grande árvore [o cristianismo e não o catolicismo], espalhados e empregados em diferentes usos, nunca formarão um todo uniforme” (p. 245).Não somos semelhantes a um tumor maligno, causando metástase aqui e ali, mas abusamos da nossa preciosa liberdade religiosa, agindo muitas vezes por razões puramente carnais. Até quando?