quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Vida não é um Prémio...

Sobre o texto editado aqui, no Ab-Integro, ontem, com o título "A democracia do terramoto do Haiti", ocorre-nos a frase de alguém que expressava na televisão, num qualquer jornal da noite, o seguinte: "O terramoto foi a coisa mais democrática que aconteceu no Haiti; não escolheu as vítimas, matou ricos e pobres". A frase levar-nos-ia para uma reflexão mais suada sobre o valor da vida ou de como este deverá ser equacionado, reflexão que não faremos aqui e agora. No entanto, e após a publicação do texto que citámos acima, constata-se que há realmente alguma falta de verdade na frase que reproduzo. Num país como o Haiti, onde sobreviver se conseguia até à data do terramoto com cerca de €1,00 por dia, e agora se fará seguramente por muito menos, a diferença entre estar vivo ou morto fez-se também, pelos vistos, pela qualidade construtiva dos edifícios, que denotam, claramente pelo facto de se terem mantido de pé nos bairros ricos, a capacidade que os seus proprietários tiveram para pagar construção superior à generalidade das casas que cairam na capital, Port au Prince. Isto diz-nos muito sobre justiça e injustiça das condições de vida num país e da distribuição desigual da riqueza que é gerada nesse país. É difícil aceitar que se morra ou viva apenas porque se é pobre ou rico; a vida não é um prémio e a morte não é uma penalidade, pelo menos caso em análise. Não se pode culpar Deus por aquilo que os homens fazem à riqueza que produzem. Não se pode aceitar que, para alguns viverem no fausto, outros vivam na miséria mais degradante. E isto é válido para o Haiti ou para qualquer outra parte do mundo. Não consigo ( nem posso ) esperar que os homens resolvam este problema, pois historicamente se comprova que, de cada vez que o pretenderam fazer, a solução tornou-se num novo problema. É por isso que, como cristão, a minha intervenção não se pode limitar ao círculo fechado de uma igreja ou de uma comunidade cristã. Há uma comunidade mais alargada que espera que eu ponha em prática o meu cristianismo, tal como o aprendi de Cristo. Quebrar o jugo da injustiça que se abate sobre uma parte significativa da humanidade é meu dever e vocação. Ficar à espera que os outros o façam no meu lugar, é continuar a apostar na presença ou ausência de democracia na morte e na vida das pessoas.
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Jacinto Lourenço