quarta-feira, 28 de março de 2012

A Política e a Tourada...


Temos cada vez mais dificuldade em perceber para onde a actual classe política europeia pretende levar a europa. Aliás, julgo mesmo haver sérias razões para desconfiar da sua capacidade em levar a europa para algum lado, salvo para  aquele que desemboca no precipício. Hoje só  uma certeza  sobressái da nebulosa União Europeia: a Alemanha é a grande, senão única  beneficiária líquida  deste complexo mundo novo e desconhecido que emergiu em 2008 e se prolonga agonicamente sabe-se lá por quanto tempo mais.

Entretanto os povos europeus, em particular os do sul, vão sofrendo as consequências de um mundo controlado por contabilistas e economistas.

Resumir a europa e a vida de milhões de pessoas e famílias a uma simples folha de cálculo, com duas colunas, uma de "deve" e outra de "haver", era um risco demasiado perigoso no jogo dos casinos dos mercados. Resultou no que se vê. Longe vai o tempo em que a União Europeia era um projectado espaço onde se procurava a integração de povos e culturas e a solidariedade entre as nações. Tal desiderato não passa hoje de um projecto romântico alimentado por alguns saudosistas ou humanistas mais crédulos quanto à bondade das decisões que saem das diversas cabeças desta hidra maquiavélica que nos governa a partir de Bruxelas.

Esqueçam a União Europeia enquanto projecto de encontro  de raças e culturas caldeado pelo humanismo europeu e pelo desejo de paz, herança de séculos com que um dia sonhámos. Essa ideia já foi morta e enterrada por Merkel, Sarkozi e  sus Muchachos. Por muita subserviência que alguns governantes de países do sul queiram mostrar em relação à ditadura alemã na europa, a Alemanha não abdicará  do seu papel de bomba centrífuga sugando tudo à sua volta.

Dizem-nos que precisamos de empobrecer porque andámos a gastar de mais durante muitos anos. Não me reconheço individualmente nessa matriz tantas vezes apregoada nos últimos tempos, mas sou capaz de acreditar que sim, que os países do sul foram além do que podiam ou deviam. Não sou economista, nem contabilista e é por isso que posso às vezes fazer perguntas que serão tidas como ingénuas por economistas ou contabilistas. Uma dessas  perguntas, que me ocorre com frequência, é  o que levou  os países do sul a gastarem dinheiro que não tinham ? Se não o tinham, onde foram eles buscá-lo ? Quem estava interessado em que o endividamento acontecesse ?  Quem promoveu ou facilitou esse endividamento   externamente ?  

Claro que todos sabemos hoje que se não fosse a bolha do sub-prime ter estoirado nos Estados Unidos da América e ter rapidamente atingido a europa, a esta hora  ainda andariam os mercados financeiros ( que o mesmo é dizer bancos alemães, franceses, e outros que tais.) a injectar dinheiro  nas economias europeias na convicção de que o lucro era bom e o retorno garantido e seguro. A coisa correu-lhes mal e correu igualmente mal aos  governos que acreditavam ser a União Europeia uma entidade  capaz de agir solidariamente em defesa das economias  mais fragilizadas. Descobriram afinal que a União europeia, e o euro, só servem na perfeição a um ou dois países, com a Alemanha à cabeça, e que todas as políticas económicas traçadas têm como principal objectivo a defesa dos interesses alemães e franceses e mais um ou dois parceiros do seu grupo de interesses. 

E nós, como é que ficamos ? Já percebemos cá pelo burgo quem é que  vai arcar com os custos da loucura económica de governos e mercados e da desregulação que permitiu essa loucura. Já percebemos, em Portugal, que o destino da incipiente classe média que se vinha a afirmar no pós 25 de Abril, é o caixote de lixo da história. Poucas vezes Portugal saiu deste paradigma, de ser o país da União Europeia com a maior desigualdade de rendimentos entre ricos e pobres. E o pior é que nenhum governo fomentou até hoje políticas de justiça social que invertessem essa tendência, bem pelo contrário. 

Estamos certos de que a democracia seria capaz de resolver este problema. Só que em Portugal a democracia está há muitos anos refém das  oligarquias partidárias que se alaparam ao aparelho do estado e o utilizam para  perpetuarem a distribuição de mais valias  pelas suas clientelas. Só isso explica que a democracia seja, em Portugal, meramente formal, e que a política seja, em Portugal, assim como que um género de tourada à espanhola: o toureiro ( os políticos ) agita um trapo vermelho que serve de engano para o touro ( o povo - salvo seja... ); este deixa-se levar pelo engano pensando que ao investir vai conseguir atingir algum objectivo, mas o toureiro engana-o uma e outra vez levando-o ao culminar da lide, que é a sua morte na arena, não sem antes ter sido espicaçado e bandarilhado repetidamente por forma a perder força e dar assim uma lide mais tranquila e  lustrosa ao toureiro, com o risco da colhida minimizado. Ou seja: o touro só pensa em livrar-se dos obstáculos que tem pela frente, investindo com todas as suas forças, mas isso só serve os interesses  do  toureiro, que quer  brilhar, nada mais. No final, para gáudio de quem assiste, uma estocada acaba com a vida do principal actor da tourada sem que este alguma vez suspeitasse que o era.   


Jacinto Lourenço