quarta-feira, 7 de setembro de 2011

As Distâncias que nos Unem


Há diferenças vincadas na geografia de Portugal e começamos a perceber isso ao viajar de sul para norte logo que abordamos o nordeste alentejano e o atravessamos rumo à beira baixa. Vamos subindo e a paisagem vai tomando conta de nós e dos nossos sentimentos em relação ao que nos rodeia. A sua diversidade  influencia as vidas das pessoas económica e socialmente e as mudanças são perceptíveis à medida que os  quilómetros  viajados se vão somando.

Aproveitamos 3 dias de férias para rumar a Resende, concelho onde a cereja é rainha efémera. O destino é o douro e as suas margens luxuriantes que só tinhamos visto até então a partir dos cruzeiros a navegar no centro do rio.

Havíamos já subido muito após ladear a Guarda, os ouvidos começavam a acusar as diferenças de pressão. Chegamos a um miradouro dito de S.Cristóvão antes de iniciar a descida para Resende, mais precisamente para o lugar onde iríamos permanecer os próximos 3 dias. A paisagem é avassaladora e dominadora. Há um silêncio que se solta do meio de uma neblina e que nos encontra em estado "embasbacado" perante os vales que se afundam por entre montanhas verdes em Agosto. Percebemos melhor o país na sua realidade, e as suas gentes, quando o contemplamos desta forma: o homem em interacção com uma natureza de sonho mas bruta, inclemente e incontornável nas dificuldades que levanta à sustentação da vida. Olhamos e só podemos sentir respeito pela geografia multisecular que nos envolve mas também por quem teve que a ela se adaptar para sobreviver.

Descemos, descemos e continuamos a descer. Pouco mais de meia dúzia de quilómetros parecem não ter fim na estrada estreita que nos sufoca e testa a habilidade de condução e a mecânica da viatura. As pequenas aldeias e lugarejos vão ficando para trás, a ritmo lento, tal como as arouquesas e cabras que por aqui pastam encavalitadas nas encostas íngremes. O douro teima em esconder-se de nós apesar dos vales que parecem querer adivinhá-lo. Dou comigo a pensar que um povo e um país assim, com esta beleza e diversidade mereciam realmente um presente muito melhor e um futuro muito mais auspicioso; talvez a responsabilidade seja nossa, desta geração demasiado ocupada  a quem ainda não foi mostrado o país fantástico que somos e o privilégio que é viver e senti-lo.

Chego ao destino, após uma viagem por entre curvas e ravinas, arrumo o carro. Olho o douro que serpenteia a 50 metros do local onde fica a cama de hotel onde dormirei as duas próximas noites. Sinto-me em casa mesmo se estou a a 400 quilómetros dela.

O temporal nessa noite obrigou-me a jantar no hotel, a mim e a quase todos os hóspedes; um arroz de pato sem tempo para poder ser promovido muito mais  além de canja  face à enorme e inusitada e inesperada freguesia . Conversa de circunstância e percebo que uma das jovens funcionárias é de Cinfães, a vinte e poucos quilómetros do lugar onde se situava o seu trabalho, o hotel onde eu estava hospedado. Dizía-me que só ia a casa na sua folga semanal devido à distância... Percebi no meu regresso a casa, quando me internei de novo nas apertadas estradas, que a distância, aqui, não pode ser medida em quilómetros mas sim em tempo, o tempo que levamos para percorrer mesmo que seja uma curta distância. Percebemos então a resiliência que é preciso ter para ser português no meio de uma paisagem e de um território como este. Tirando o alcatrão e o meio de transporte, afinal os caminhos são capaz de nem ser assim tão diferentes dos que Eça aqui percorreu e assinalou em algumas das suas obras. O povo, as pessoas é que sublinharão sempre a diferença fundamental. Sim, os portugueses merecem a beleza do seu país, e saberão também que devem saber ser dignos dela com trabalho, orgulho e decisões acertadas para o seu presente e futuro.

Volto à planura alentejana onde a distância se mede em quilómetros percorridos e onde o tempo volta a ser marcado pela diversidade sociológica e geográfica, mas onde há também um povo que trava a mesma  luta nas curvas do  futuro. Mesmo se as estradas são largas e as rectas se perdem de vista nunca nada foi fácil no alentejo, bem pelo contrário, tal como no interior das beiras.


Jacinto Lourenço