Vivemos num mundo em plena agitação motivada pelas incertezas económicas e sociais. Em Portugal, nem mesmo a seguir ao 25 de Abril ( a Revolução dos Cravos, lembram-se...? ), senti tanta incerteza e dúvidas nas pessoas como no tempo presente. Pelo menos, nos momentos a seguir a Abril de 1974, as pessoas tinham consciência de que tinham chegado a um momento e a um desiderato pelo qual tinham aspirado durante décadas: Liberdade. Talvez por isso, sabiam o que queriam, para onde queriam ir e qual o seu objectivo: uma sociedade democrática mais livre e justa, mesmo se só sabiam o que era isso através de exemplos que imaginavam ou conheciam de além-fronteiras.
Hoje sabemos que a liberdade é afinal um valor que só faz verdadeiramente sentido quando vem acompanhado de Paz, Justiça social e desenvolvimento cultural e humano.
No outro dia ouvia um político, que enquadrou os primeiros governos de direita, a seguir ao 25 de Abril, dizer na televisão que a única coisa que se aproveitou dessa data e desse acontecimento de ruptura e de mudança de paradigma no país foi a Liberdade, como se ele não tivesse também ajudado à "festa"... Pensei que o melhor seria perguntar aos líderes políticos sucessivos o que fizeram afinal do resto que a Revolução dos Cravos prometera. A resposta, vinda deles, seria decididamente complexa e provavelmente perder-se-iam em explicações metafísicas ou filosóficas hegelianas antes de a encontrar. Mas nós, o povo, sabemos muito bem o que aconteceu com aquilo que Abril prometeu: Falhaço total da sociedade portuguesa em chegar aos objectivos enunciados. Culpa de quem ? De todos, mas principalmente daqueles que sucessivamente ocuparam o poder, da esquerda à direita. É que para atingir os objectivos, é preciso trabalhar, lutar e sofrer por eles, não basta enunciá-los ou gritá-los em campanha eleitoral e muito menos torpedeá-los quando se chega a governar.
Não vou escalpelizar o semi-falhanço de Abril em Portugal quanto ao aproveitamento de uma ocasião única para mudar de vida. Tenho uma opinião sobre isso, mas não vou entrar agora por aí. O que gostaria de deixar feita era essa comparação: mesmo falhando, em Abril Portugal e os portugueses sabiam para onde queriam ir. Podiam pedir-lhes sacrifícios que eles seriam mais bem aceites e compreendidos, até com alguma naturalidade. Mas hoje, quando nos pedem sacrifícios a compreensão para os mesmos é de difícil entendimento já que ninguém sabe para o que servem nem onde nos conduzirão, nem mesmo aqueles que os pedem. Não há paradigma e, se há, é o do capital, o da submissão ao capitalismo e ao enriquecimento, ainda maior, de quem o representa. E a isto, governos ditos de esquerda e de direita, à vez, parecem submeter-se mesmo não sabendo onde essa submissão os leva. Será que ao menos se vai salvar a Liberdade ? Pessoalmente não tenho a certeza. Que liberdade pode haver quando há uma sumissão e uma escravização das pessoas em relação a quem as governa e que, no caso presente, é o dinheiro ?! Difícil é descobrir um caminho de justiça social num registo global em que o dinheiro e a economia monetarista comandam a vida dos homens. Talvez por isso, Paulo alertava Timóteo para os riscos implícitos no dinheiro e procurava que ele estivesse atento e alertasse o povo de que, acima do dinheiro, há outros valores de muito maior relevância na vida das pessoas: Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se trespassaram a si mesmos com muitas dores.
Jacinto Lourenço