Bem sei que nem sempre conseguimos uma boa explicação para tudo mas a verdade é que há coisas que parecem ser completamente inexplicáveis, como a letargia e falta de ambição que observamos em certas zonas do país.
Sexta-feira à noite, dez horas. Viajado metade do percurso, tantas vezes feito, que nos levava ao nosso destino no nordeste alentejano, saídos de terras ribatejanas e abordada a primeira sede de concelho já no alentejo, era nossa intenção anunciada parar, para aconchegar o estomago, como tantas vezes fazemos num dos dois cafés-restaurantes que ali existem com um mínimo de condições para isso. Pura ilusão: o primeiro encontrava-se encerrado, sem nenhuma explicação aparente, e nem sequer era dia de folga. Andamos mais uns metros e o cenário repete-se no segundo, também sem nenhuma explicação plausível ou informação para o encerramento. A hora não era tardia, era sexta-feira à noite, uma noite de bom tempo, a vila está na rota de passagem para quem se dirige à beira ou ao alentejo nordeste, o país está em crise, o interior queixa-se do isolamento a que é votado, mas os dois cafés onde se pode comer e descontrair um pouco neste pedaço de alentejo na fronteira ribatejana acham que os passantes e potenciais clientes podem voltar outro dia qualquer; fossem mais prevenidos, trouxessem lancheira... E assim vão definhando as terras alentejanas do interior.
Segundo dia, já no destino. A brincadeira durou pouco. Após trabalho duro no dia anterior para alindar algumas coisas à volta da casa, vamos encetar a aventura de aero-modelismo. O André ofereceu-me um modelo daqueles que voam mesmo, comandados por rádio. Depois de duas ou três tentativas para fazer descolar o pequeno aparelho, lá vai ele a voar sobre a velha ponte. A expectativa da família quanto às minhas possibilidade de fazer voar o brinquedo foram satisfeitas, pena que por breves instantes. Por manifesta imperícia minha, o modelo começava a subir a pique, o que não augurava nada de bom. Um toque nos comandos, ele inverte a marcha, vem em voo picado em direcção a terra e desfaz-se em dois. Durou pouco, a minha aventura aeronáutica. E agora, o que fazemos ? Sugeri irmos tomar um café à sede de concelho. Uma terra pequena, acastelada e com história medieval relevante para além de fronteiras concelhias consideráveis no interior alentejano. Não tem muita vida própria, a vila, comom outras do nosso alentejo, mas possui um bom conjunto de casas senhoriais brasonadas que vale a pena olhar com detalhe. Por lá passa muita gente e pára para visitar o castelo, bonito e imponente mesmo no centro da terra, da casa de Bragança, todo remodelado e com acessibilidades para pessoas portadoras de deficiência motora. Isto, claro, sem falar nesse outro interesse turístico maior que é o cavalo e a importante coudelaria do país onde se apura uma das melhores raças de cavalos a nível mundial.
Pois é, mas café com esplanada para usufruir da paz e da calma alentejana no amplo e aprazível centro da povoação, é que não. É meio-dia de domingo, o dia solarengo, embora um pouco quente demais para a época, convidava. Mas não, não podemos. Pese a hora adiantada, ser domingo e a temperatura e clima estarem óptimos, nesta terra bonita e agradável do interior alentejano, isso não conta para nada e os proprietários das duas única e agradáveis esplanadas em plena praça central da vila preferem o encerramento; os turistas e passantes, ou os locais, podem esperar ou passar outro dia.
O isolamento geográfico não explica tudo o que está mal no interior de Portugal. O isolamento das ideias, da falta de ambição de mudança de vida e a falta de atitude positiva face à realidade, esse sim pode explicar quase tudo, mesmo se medido pela simples dificuldade de se encontrar comércio aberto à sexta-feira às dez da noite ou ao domingo ao meio-dia em duas sedes de concelho, de algum relevo, separadas entre si por uma boa centena de quilómetros, num alentejo que gostaríamos de ver mais ambicioso e atento a quem por lá passa.
Jacinto Lourenço