Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias online
A história, pelos vistos, é uma disciplina que não é ensinada em nenhuma escola alemã de qualquer grau de ensino ou, se é, os alemães não aprendem nada com ela, a avaliar pelo percurso dos líderes e responsáveis alemães da última década.
Depois de duas guerras mundiais provocadas pela alemanha e uma reunificação, após muitos anos de partilha do seu território por soviéticos, europeus e americanos precisamente na sequência da guerra de 1939/45 com meio mundo a suportar os colossais custos de reconstrução e reunificação, não sei se há algum outro país no mundo que tenha sido tão ajudado ou que tenha sido tão beneficiado financeira, social e economicamente quanto a alemanha o foi, particularmente na segunda metade do século XX.
É por isso que são tanto mais incompreensíveis as posições dos alemães no que concerne às dificuldades que a europa enfrenta actualmente, particularmente as suas posições que vem eivadas de ofensa implícita e radicalismo teutónico num estilo a roçar um quase neo-nazismo.
Se os jornais e muitos jornalistas pouco responsáveis, e ainda menos credíveis, vão publicando umas atoardas jocosas sobre a realidade dos países europeus em dificuldade nós damos isso de barato pois sabemos que há meios de comunicação sensacionalistas que vivem dessa comédia mediática que faz vender jornais e porque, reconhecidamente, cada um tem a pocilga que escolhe ou merece, agora se vem um comissário europeu da energia, que por sinal é alemão, propor que os países europeus em dificuldade sejam obrigados a ter a sua bandeira nacional a meia-haste nos edifícios comunitários, então o caso já não é para ser encarado de ânimo leve pois este já é um assunto sério e muito grave, particularmente porque não se trata de uma brincadeira ou de uma conversa de amigos meio bebidos à mesa duma cervejaria de Munique ou Berlim. Não, a proposta do senhor Guenther Oettinger, assim se chama o comissário alemão, pretendia isso mesmo, a aprovação da medida nas instâncias europeias visando com efeito "envergonhar" os países com défices excessivos que, para os políticos alemães, são agora os maus da fita e os culpados de todos os males, talvez um pouco à semelhança do que aconteceu com os judeus há meia dúzia de décadas atrás...
O senhor Oettinger talvez esteja esquecido ou nunca lhe tenham ensinado nada da história recente, dos últimos cerca de noventa anos, da sua alemanha natal, que foram passados a provocar sofrimento e morte na europa e, por tabela, nos estados unidos da américa e noutros locais do mundo, ou a receber ajuda económica a fundo perdido para se recuperar dos males que causou a si própria e aos outros países. Os problemas dos países europeus em dificuldade continuam a agravar-se precisamente porque a alemanha não está nesta construção europeia para construir nada a não ser a defesa dos seus interesses económicos imediatos que, ainda que sejam "legítimos", como para qualquer outro país, não se podem sobrepor aos interesses económicos e sociais da generalidade dos povos.
A proposta do sr. Oettinger faria em primeiro lugar sentido se aplicada à alemanha já que esse país tem sido muito mais "coveiro" europeu do que "locomotiva". Só a segunda guerra mundial, despoletada pela alemanha, provocou a morte de mais de cinquenta e cinco milhões de pessoas, e os custos económicos, esses talvez nunca consigam ser apurados, tanto os da destruição como da reconstrução de que os alemães foram os principais beneficiados, sim, para não falar das vidas perdidas porque essas não têm preço nem aparecem em nenhuma folha de cálculo.
Sr. comissário Oettinger, se tiver lá por sua casa uma bandeira alemã, coloque-a já a meia-haste no jardim da sua casa e no Bundestag, e terá que a manter lá durante muitos anos antes que gregos, irlandeses, portugueses, espanhóis ou italianos tenham que lhe seguir o exemplo, se é que têm... a mim não me parece que tenham.
Vergonhoso, para além do desplante, que não foi mera retórica, é que este sujeito continue a ser comissário europeu, mas também que as instâncias comunitárias se permitam não demitir de imediato pessoas que, com ideias peregrinas, estúpidas e perigosas, para poupar no vocabulário, como esta, se mantenham nos seus altos cargos na união europeia à custa dos dinheiros e contribuições de todos os países que integram a UE.
Jacinto Lourenço