segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Momento das Decisões Difíceis...


Por razões familiares, pessoais, profissionais e pelos liames que estes círculos vão desenvolvendo ao longo da nossa vida  adiamos decisões que devíamos tomar em tempo oportuno, reconhecidamente para nosso bem, e que não tomamos antes de sermos realmente  forçados in-extremis.

Não é fácil romper relacionamentos sedimentados no tempo. Construções que duram anos são sempre dificilmente "desconstruidas" sem riscos ou sem consequências imediatas na vida de cada um de nós; mas adiar, adiar e voltar a adiar por falta de coragem não deve ser a solução a ser escolhida. As decisões que devem ser tomadas, têm que ser tomadas no momento indicado para tal, ainda que isso nos custe e nos deixe momentaneamente numa letargia que só o tempo, esse velho mestre, nos ajudará a superar. Claro que qualquer decisão que consideramos complicada deve merecer sempre muita reflexão e ponderação, aconselhamento externo ao nosso círculo, quiçá, mas isso não quer dizer que tenhamos que viver para sempre num limbo em que não sabemos qual  o sentido em que devemos seguir porque recusamos o sofrimento duma decisão difícil, mesmo que esse caminho, por vezes, até se apresente doloroso no seu início ou percurso.

Algumas das decisões mais importantes que já tive que tomar na minha vida, prenderam-se forçosamente com igreja. Sim, porque uma parte da vida significativa de qualquer cristão passa pela sua comunidade cristã e, no meu caso, foram cerca de trinta e cinco anos de vida na mesma comunidade cristã;  de comunhão, de entrega, de serviço, de partilha, de amizade, de fraternidade, de cumplicidades, etc.   Mas quando chega algum problema ou dificuldade em que são confrontados os valores e padrões cristãos que defendemos e que recebemos biblicamente  versus a  vontade dos  "poderes" que se constituiram nas comunidades ou igrejas locais e esta  não pode ser validada nem pela Palavra nem pelos valores culturais ou tradicionais, então, entre nós e esses ditos "poderes" o choque é inevitável, como foi no meu caso.

Pensamos muitas vezes que trinta e cinco anos de vida dados a uma comunidade podem eventualmente traduzir uma mais valia para a estabilidade espiritual, psicológica e emocional na nossa vida e na nossa família. As pessoas conhecem-nos, os amigos que temos, os mais próximos, os mais íntimos estão na igreja, parte da nossa família de sangue está ali também, relacionamentos e cumplicidades foram  sendo sustentados por décadas de convivência espiritual e humana. Os nossos filhos cresceram na igreja, foram inculcados dos valores que ela defende, mesmo que nós não concordemos em boa parte com eles. Mas vamos sublimando as coisas menos boas em prol de salvaguarda de um ambiente que não choque ou não "escandalize" os irmãos  mesmo que seja certo que isso nos escandalize a nós, à Palavra de Deus e à prática de uma vida cristã saudável e equilibrada. E de repente chega o dia em que, por qualquer razão, ou por um conjunto de razões acumuladas, decidimos que não é tolerável continuar numa atitude de negação dos valores cristãos, humanos e bíblicos, e é aí que descobrimos que muitos dos que se batiam connosco pelos mesmos príncipios bíblicos irrevogáveis alargam o círculo e se afastam como se nós tivéssemos sido repentinamente acometidos de lepra...

Poucos ficam ao nosso lado quando levantamos democraticamente  a voz na denúncia das situações menos claras, a vários níveis,  que subsistem na igreja e a lesam gravemente, mesmo se reconhecem estarmos cobertos de razão bíblica. É aí que descobrimos que já não há mais nada pelo qual valha a pena lutar no meio de uma comunidade que tem um comportamento de Laodiceia e que tolera   "poderes" ao estilo de Tiatira. Uma comunidade que desistiu há muito de ser Éfeso dos melhores tempos e a eles não quer ou não sabe voltar. 

É por isso que, em defesa da nossa fé, da nossa saúde mental e espiritual e da verdade bíblica, não será possível continuar mais numa comunidade com as características que alinho acima. Nada justifica já a nossa permanência em semelhante convívio mesmo se, com muita pena, deixamos para trás alguns irmãos que amamos, que amam o reino de Deus e que nos amam verdadeiramente mas que, por circunstâncias externas à sua própria vontade ali têm que permanecer. Uma comunidade de cristãos que perdeu a visão de Cristo e que deixa que se sobreponha à bíblia e aos príncipios cristãos as ordens emanadas de poderes que não os respeitam nem respeitam as pessoas nem a verdade, está condenada a desaparecer, mesmo que pense que tem o domínio de toda a "verdade" e "razão" isso não conta para nada e muito menos para o seu crescimento e permanência no reino de Deus.

Foi por tudo isto que eu tomei a decisão de romper com a comunidade onde passei trinta e cinco anos de vida, boa parte destes anos acompanhado pela minha família, esposa e filhos. São necessárias coragem e certezas se concluimos que nada mais temos ali a fazer, se a nossa comunidade não cuida dos seus membros e não zela por eles, como é que pode zelar pelos interesses do reino de Deus ? Esta é a pergunta fundamental que deve ser respondida por cada um de nós individualmente, enquanto cristãos envolvidos pelo Amor de Cristo e convictamente seguros da salvação. Uma comunidade cristã, se não serve para a edificação e elevação dos seus membros, a todos os níveis, não serve para nada. Torna-se apenas num palco para festas e eventos, e isso eu não quis para mim. Disso há muito por esse mundo fora. Igreja é outra coisa, mesmo que não seja isenta de erros e dificuldades  não deve estar apenas focada no seu próprio umbigo ou no umbigo dos que a deviam levar a pastos verdejantes mas que  se sentem melhor e mais à vontade na promoção de "solenidades e luas novas". Os seus actos, as suas atitudes, as suas mentiras e difamações deturpam e ofendem todos à sua volta e ofendem a Cristo e por isso não é aceitável uma igreja com esta matriz. Talvez por isso Deus diz através de Ageu: "Por isso os céus por cima de vós retêm o orvalho, e a terra retém os seus frutos."

Todos os dias dos últimos quatro anos penso na minha decisão de ter rompido com a minha anterior comunidade cristã, e todos os dias encontro mais uma razão para o acerto dessa decisão. Há alguma coisa que eu lamente profundamente ? Há ! Ter permanecido tanto tempo no meio do erro e tolerado tantos dislates sem ter levantado alto e bom som a minha voz, preferindo o falar baixo, preferindo submeter-me à forma de agir dessa comunidade e dos  seus "poderes" bem como permitindo que isso me fosse detruindo por dentro e à minha fé. Devia ter assumido a ruptura muitos anos antes a partir do momento em que identifiquei que as comunidades deste tipo com poderes deste tipo na sua direcção não mudam nunca, tornam-se feudos políticos sustentados e dirigidos  por gente ambiciosa que  escolheu a dedo, para seus pares,  meia dúzia de pessoas, "homens de mão", fariseus de ocasião,  que partilham ou sustentam esse desejo de quem encontrou  uma  igreja para subsistir no seu sonho de exercício de poder e protagonismo, papel  que a sociedade lhes negou  face à sua impreparação intelectual e humana para o mesmo. Infelizmente estas comunidades ainda não descobriram que já não estão no plano de Deus e continuam a deixar-se  arrastar, como cegos sem guia,  para o abismo. 


Jacinto Lourenço