quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Crónica de Férias-8 : Alter do Chão / Abelterium

O céu de Agosto, no lugar onde me encontro, recusa-se ceder estrelas para satisfazer o meu desejo, afinal simples, de algumas, poucas, para lhes seguir o rasto. À falta de um céu azul-negro ponteado por milhões de focos de luz, uns mais brilhantes do que outros, decido não me fazer rogado quanto ao cumprimento do que tinha aqui prometido anteriormente e trazer alguns dados históricos sobre o interessante concelho de Alter do Chão e, de forma mais dilatada, sobre a região onde este se insere. Sorte minha, porque de repente lembrei que este ano já tinha publicado dois Posts acerca desta temática e, como pouco ou nada terei a acrescentar ao que então ficou dito, pelo menos em tão curtas linhas, reedito os ditos Posts. Sabendo que o céu de Agosto, no dealbar do mês, não será o mais propício a observações de rotinas estelares, fico na expectativa de que as nuvens, que hoje chegaram pela calada da noite sem vénia nem pedido de desculpa, se afastem do meu horizonte, libertando o cativo firmamento e, já agora, levando consigo este súbito friozinho que nos aborda e incomoda, especialmente se nos apanha em traje de espantar os mais do que previsíveis calores desta época do ano. Descobrimos, e percebemos, nestas noites de Agosto, que previsões continuam a não passar disso mesmo: previsões ! E então sentimo-nos aptos a ser muito mais tolerantes com as pessoas da meteorologia. Quem é que podia prever que, depois de uma semana no extremo sul do país, com temperaturas a rondar os 40 graus centígrados, iriamos encontrar, numa região habituada a muito maiores estios, nuvens negras, humidade nocturna e frio a pedir vestuário de transição outonal ? Assim não há previsão meteorológica que aguente um desejo de céu brilhante. Fiquem-se então por Alter e boa visita por estes campos sóbrios de natureza bruta que braços humanos tiveram que cambiar para lhes retirar o suado pão ao mesmo tempo que lhes alindavam a irregular planície semeada de incrustações graníticas como se ali tivessem sido propositadamente colocadas, tal o seu aspecto de obra de arte paleolítica. Já agora não percam a observação do eterno namoro que o Nordeste Alentejano mantém com a Beira Baixa . O amor destas terras vizinhas tornou-as quase iguais, senão no modo de exploração da terra e das vivências sociais, pelo menos no relevo geográfico e nos sulcos abertos pela violência do trabalho rural de antanho nos rostos crestados de Norte-Alentejanos e Beirões de baixo. Terras de transição, onde até o acentuar de cerrados sotaques linguísticos nos introduzem a interessantes questões antropológicas. Aqui, no Nordeste-Alentejano, é onde a língua portuguesa deixa de ser "cantada" e se despe da musicalidade tão peculiar que se lhe reconhece em todos os alentejos para se vestir com roupagens mais arrojadas em estilos que a Beira lhe empresta. Numa fronteira marcada pelo Tejo, mas ainda a sul deste, e sublimada por uma paisagem irregular que a salto se escapa para território beirão, a já nuas de dotes cantatórios. Mais rudeza e menos cântico, mas nem por isso menos doçura nas novas sonoridades descobertas em cada diálogo a pedirem atenção ao ouvinte. É afinal por aqui, neste alentejo em estilo agri-doce, que igualmente podemos olhar a Mão de Deus, esculpindo, como só Ele sabe fazer, paisagens geográficas e humanas, que nos cortam a respiração quando observadas de perto ou de longe. ** Jacinto Lourenço
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A Vila-Concelho de Alter do Chão, situa-se no Nordeste Alentejano de Portugal, fazendo Fronteira com outros Municípios pertencentes a pelo menos três distritos que dividem geograficamente o território . Integra, Alter do Chão, quanto a nós, uma região das mais marcantes na história portuguesa. Lembremos, por exemplo, algumas figuras a ela ligadas: D.António Prior do Crato ( “Prior do Crato” era o título dado ao superior da Ordem dos Hospitalários por possuir esta grandes domínios territoriais na zona do Crato, concelho que dista de Alter do Chão cerca de 13 Kilómetros ). D.João I, que antes de ser proclamado rei nas cortes de Coimbra, em Abril de 1385, na sequência da crise dinástica de 1383/1385, era Grão-Mestre da Ordem de Avis, ordem cuja sede se situou também na vila-concelho com o mesmo nome e que dista 18 Kilómetros de Alter. D. Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal no reinado de D. João I, nascido em Flor da Rosa ( pequena e interessante povoação encostada ao Crato e dona de uma excelente pousada inserida num antigo mosteiro, muito bem conservado ) e figura das mais relevantes da nossa história. José Régio, que em período muito mais recente elegeu a cidade de Portalegre como sua terra de adopção e onde lhe dedicaram uma casa-museu.

Pontuam igualmente esta região do Nordeste Alentejano, outras terras de igual importância, especialmente a nível turístico e económico, pautadas pelas belezas naturais, pelo património edificado e mesmo humano, bem como ainda pela produção de artigos tradicionais manufacturados no âmbito das diferentes actividades locais. Castelo de Vide e Marvão, Monforte, Fronteira, são povoações que, por uma ou outra razão, não podem deixar de ser visitadas, para além de outras, claro.

Voltando um pouco atrás, a Alter do Chão, destacamos o seu património edificado, como o Castelo de Alter, no centro da Vila, dono de uma arquitectura curiosa e de fácil alcance, mesmo para pessoas com dificuldades motoras. Em termos de acessibilidades para uma visita é notório o esforço feito pelos seus proprietários para que ninguém fique impossibilitado de a efectuar. Merece igualmente realce a Coudelaria de Alter, fundada em 1748 e onde são “produzidos” os famosos cavalos raça Alter. Roteiro obrigatório de qualquer viagem de lazer.

Particular destaque para uma das mais bem conservadas pontes romanas ( a ponte de Vila Formosa ) que conheço no nosso país. Situada na estrada que liga Alter do Chão a Ponte de Sôr, perto da vila de Seda. Esta ponte servia, até há bem pouco tempo, todo o tipo de trânsito, mesmo o pesado, que foi entretanto proibido, mantendo-se no entanto aberta para o restante tráfego rodoviário actual que a procura, até porque a alternativa seria de muitos Kilómetros para quem pretendesse fazer o trajecto actualmente ligado por esta infra-estrutura. Ponte de seis arcos e que resiste , intacta, na sua estrutura e arquitectura desde finais do século I, princípios do século II, A.D.

Enfim, como verificamos, toda uma região a merecer uma visita com algum “vagar”, como dirão os nossos “compadres alentejanos” que por lá habitam. Gente afável, acolhedora e trabalhadora. Infelizmente, o que lhes falta é trabalho, não a vontade de trabalhar.

Jacinto Lourenço