sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Crónica de Férias - 4 : Acerca de Voltar a Lugares

Dizem-nos que não devemos voltar aos lugares em que já fomos felizes. Pois eu, que não sou supersticioso, gosto de voltar aos lugares onde fui feliz, e mais: faço-o sempre que possa ou a oportunidade se depare.
Espanha, por exemplo, faz-me feliz. A alegria contagiante das pessoas, os decibéis do linguajar andaluz na língua de Cervantes que muitas vezes me faz duvidar se é falada ou cantada ou se um misto das duas expressões, as tapas, a siesta ( ainda e sempre a siesta, que os andaluzes continuam a fazer, mesmo que digam que abafa a modernidade e a velocidade da economia ), uma bebida fresca numa explanada onde as sombras dos panais que cobrem as Calles se projectam sobre destemidos turistas que enfrentam o inclemente sol andaluz, as rebajas das tiendas onde a cada ano que passa menos portugueses se perdem. Pequenos prazeres que anualmente reencontro e sempre me fizeram feliz, e a mim iberista convicto, observador de poses e vivências, nem era preciso muito para que esse sentimento se desprendesse.
Cervantes, como Camões são meus amigos íntimos e donos de línguas, ambas patrimónios ricos da humanidade que, mais do que pretender que sejam vizinhas ou irmãs, importa isso sim, entender a sua universalidade e impacto civilizacional. E aí, de um lado e de outro da fronteira, mais do que o orgulho nacional de cada povo deve realçar-se a epopeia da Ibéria que, mais sofisma menos sofisma, mais intriga de corte menos intriga de corte, rasgou novos mundos para o mundo. Não fossem os povos ibéricos e o mundo não seria o que é hoje. Deixando para depois a discussão se seria melhor ou pior.
Sou um português adulto que se orgulha dum passado comum ibérico, sabendo que sem Espanha, no bem e no mal, Portugal teria tido percurso e existência diferente. Melhor ou pior ? Não sei ! Só posso avaliar o que vejo e o que vejo é que poucos povos, como os povos ibéricos se podem orgulhar de terem exercido uma tão grande influência no mundo tal como o conhecemos.
Voltar a Espanha? Sim e sempre, nem que fosse para partilhar e sentir o fervilhar de vida que junta famílias inteiras, desde avós até netos, nas plazas de Espanha, ao entardecer, no dealbar do dia, quando o sol se dá ao horizonte que guloso e prazenteiro o recolhe libertando-o horas depois para voltar a castigar ou brincar com os homens em jogos de sombras que só ele sabe jogar, em especial na grande Ibéria.
Sim, eu gosto de voltar onde já fui feliz, mesmo que isso tenha acontecido à mais ou menos anos, tenho a certeza de que quando volto, haverá sempre uma nova oportunidade para ser feliz outra vez.
Afinal, o meu Deus, é um Deus de finais felizes. Para Ele nenhum capítulo da vida está encerrado até que o determine. Tudo está em aberto. Aconteceu com o filho pródigo: Voltou a ser feliz nos braços do Pai. Se não tivesse voltado, continuaria a disputar bolotas aos porcos. É por isso que não tenho razões para ser supersticioso. Não é preciso, se tenho um Senhor que deseja sempre o meu regresso aos lugares onde sou feliz. E na sua casa sou feliz.
Sim, irei sempre voltar a todos os lugares onde já fui feliz.
Jacinto Lourenço