sábado, 29 de agosto de 2009

"Caim" : A Secreta Esperança de Saramago

..."Este livro agarra-nos, digo-o porque o li, sacode-nos, faz-nos pensar: aposto que quando o terminardes, quando fizerdes o gesto de o fechar sobre os joelhos, olhareis o infinito, ou cada qual o seu próprio interior, soltareis um uff que vos sairá da alma, e então uma boa reflexão pessoal começará, a que mais tarde se seguirão conversas, discussões, posicionamentos", escreve ainda a presidente da Fundação Saramago no texto. Quase a concluir, Pilar del Río classifica o romance de José Saramago, 86 anos, como "literatura em estado puro". [...]
Ler Versão Integral do texto Aqui, no jornal Público
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Antes de comentar seja o que for sobre esta nova edição de Saramago, devo informar que nutro por ele a mesma admiração que sinto por tantos outros escritores que já li e que me entusiasmaram, não necessariamente por terem ganho um prémio Nobel, mas porque gostei do que escreveram. A questão é que leio Saramago e nem por isso me consigo entusiasmar. E acreditem, até faço um esforço. Resumindo: sinto em Saramago admiração pela obra realizada, mas não sinto grande entusiasmo quando leio, o que, vindo de mim, por razões óbvias, deve ser desculpado.
Agora, o que eu gostava era que Pilar del Rio nos explicasse a razão pela qual acha que devemos fazer uma reflexão, uma boa reflexão. Até admito soltar um "uff" por eventualmente ler este ou qualquer outro livro do escritor, mas não pelas razões invocadas pela sua esposa. Alerto ainda que já li vários livros do nobel da literatura e lembro, mais uma vez, que me rendo à sua vasta obra e me reclino respeitosamente aos seus muitos anos e ao vigor que estes ainda lhe vão emprestando para escrever.
Mas o que eu gostava mesmo era que Saramago me explicasse a razão para a necessidade por si sentida de negar algo que não existe, segundo ele. E é aqui que não acho normal a fixação do escritor. É que eu, que me considero uma pessoa não muito lerda, não sinto qualquer necessidade de passar toda a minha vida a negar qualquer coisa que não existe. Não existe, eu "provo" que não existe, passo à frente e acabou-se !
Aqui para nós que ninguém nos ouve, mantenho a convicção de que Saramago tem uma fé em Cristo ainda não resolvida. E falo sério. É que ninguém, no seu perfeito juízo, como digo, perderá tempo, e menos ainda um escritor, a tentar combater Deus, ou a ideia da sua existência.
Com Saramago não. Grande parte da sua vida foi ocupada a negar a existência de um "Deus" que ele "sabe" não existir. Pura perda de tempo, digo eu. Poderia ocupar-se a escrever sobre coisas bem mais interessantes e edificantes. Mas cada um é como cada qual. E se o escritor sente essa necessidade, não sou eu que lhe vou dizer que não o faça por ser uma atitude pouco inteligente, coisa que eu até acho que o nobel não é.
Eu , por exemplo ( que espero nunca vir a ganhar um nobel da literatura, não porque o valor do prémio não me desse um certo jeito, mas por achar que não tenho a mesma disponibilidade ou, quiçá, vontade de escrever em profusão como ele o faz, ou ainda, e esta é seguramente a razão mais forte, capacidade para tal ), que sou cristão e que acredito em Deus, no seu Poder e no seu Amor, bem como na sua Paixão por todos os seres humanos, inclusive por Saramago e Pilar del Rio, não tenho necessidade de andar permanententemente a tentar provar aos outros a existência de Deus. É um facto que Deus existe e pronto! Ele está em mim, está à minha volta e reina sobre mim. E essa é uma verdade sobre a qual eu não tenho necessidade de fazer uma reflexão diária para me tentar convencer a mim, ou a quem está à minha volta, de que Deus existe.
Fiz um percurso diferente de Saramago: cheguei à Fé pelo caminho da razão. Depois foi aceitar o que Deus me propunha, na sua grande misericórdia.
Acho que o escritor tem, desde cedo, um problema com a Fé e um problema com a razão. Terá que resolver um e outro, para depois resolver, finalmente, a questão do seu relacionamento com Deus. E eu acho que essa é a luta interna e pessoal da sua velhice.
Mas Saramago tem ainda outro grave problema chamado Pilar del Rio. Ela que se ergueu como a ultima fronteira que o nobel terá que ultrapassar para resolver a sua fé. Segundo Pilar, devemos fazer uma reflexão depois de ler "Caim" . Claro que suspeito que ela fique na expectativa de que todos aqueles que lerem "Caim", após terem feito a tal reflexãozinha, se tornem "ateus", como Saramago ou que, pelo menos, regridam no seu caminho com Cristo. Depois é só passar o resto da nossa vida, como Saramago, a tentar convencer toda a gente de que Deus não existe tendo assim o escritor o back-ground que Pilar acha que deve ter para que não pareça que uma pessoa, com a idade e a relevância social de Saramago, ficou de repente fragilizado a ponto de precisar de resolver a questão da sua fé em Deus . O grande problema, minha cara Pilar , é que o seu Saramago combate Deus. E não haveria necessidade de o fazer se não aceitasse a sua existência, não é ? Claro que se poderá sempre conceptualizar uma soluçãozita para dar a volta ao assunto. Mas depois lá vem outro problema: é que todo o oposto tem sempre o seu contrário e etc, etc, por aí fora...
Estamos entendidos Pilar del Rio !? Então vá; vá lá continuar a descobrir mais "pérolas", mas deixe que o nosso nobel descubra sózinho o seu percurso de fé . Nós por aqui , aqueles que acreditamos que Deus existe, não porque o conceptualizamos teoricamente, mas porque o temos dentro de nós, na nossa alma, na nossa vida, que Ele transformou, continuamos, neste caminho de o apresentar a todos os homens para que o conheçam, afim de que eles experimentem, por si próprios, o que este Deus pode fazer nas suas vidas. Experiência, experimentação, o princípio de toda a ciência. É isso minha amiga. Vê que afinal é simples!! E é aqui, que o seu ateísmo perde, minha cara Pilar: é que o cristianismo, o verdadeiro, e Cristo, têm uma história de transformação positiva do ser humano, pela vivência, pela experiência real, enquanto que o seu "ateísmo" desconstrói o ser humano mas não consegue construir nada, para além de conceptualizações que podem sempre ser desmontadas. No mais , se quiser vir para este campo, o da "experimentação de Fés", comece desde já a olhar à sua volta, e veja as diferenças entre o que o meu Deus faz e o que o seu "deus" tem feito, Pilar. Repare que falo de Deus, não de religiões. Essas sim, verdadeiro "ópio do povo" e destruidoras da Fé. Uma coisa assim a modos que parecida com o seu ateísmo.
Podíamos ter complicado, e enveredado por uma linguagem argumentativa muito mais elevada do ponto de vista filosófico, mas assim toda a gente percebe o que queremos dizer, da mesma maneira que a mensagem salvífica de Cristo foi entendida por ser simples, objectiva e reconstrutiva do ser humano individual, coisa que era contrária ao "arrebanhamento" colectivo e massificado do Fariseísmo vigente quando Jesus pisou as terras da Judeia e arredores. Passados vinte séculos, ainda continua a ser assim com outros fariseísmos travestidos de cristianismo.
Ora passe muito bem, e recomendações ao nosso nobel. Por quem não posso deixar de nutrir respeito e admiração, q.b., e esperar que ele, finalmente se liberte dos "fantasmas" que o impedem de se resolver em matéria de fé, de preferência sem ninguém a fazer reinterpretações dos seus escritos, como me parece ser o que a Pilar procura fazer.
Jacinto Lourenço