quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Bonhoeffer, a Ética e o Natal

Dietrich Bonhoeffer escreveu sobre a Ética, sobre esta e o Advento de Jesus. Antes que o nazismo lhe secasse a verve e a vida. Ele considerou que era a obra da sua vida, contra a «grande mascarada do mal» que durante dez anos na Alemanha perverteu um povo e seduziu igrejas.Morreu num campo de concentração nazi, regime em estertor e a dar as últimas, a dois passos da libertação pagou com a vida o preço do seu pensamento, no campo de Flossenburg em Abril de 1945. Para além de grande teólogo, do ramo cristão protestante, foi uma grande testemunha do seu útimo tempo, um tempo europeu sem Ética, numa Europa com fundamentos. Todo o livro designado pela editora portuguesa como Ética, de resto o título original( Ethik), está estruturado em textos do teólogo redigidos entre 1940 e 1943, os tais anos em que a Europa de Schiller ou Goethe, Haydn ou Beethovem, caiu na bárbarie e perdeu essa Ética, com a qual edificou uma Cultura de Valores e do Espírito designadamente na Alemanha. Bonhoeffer, como outros téologos e alguns autores de pensamento literário, compreenderam na perfeição essa gravíssima perda desse período europeu. As suas palavras foram no sentido de testemunhar o valor do homem, não por si próprio, mas pela sua ligação imprescindível ao divino. Como tal, escreveu a propósito do Advento, do tempo de Natal, que só ele – «o Advento trará a plenitude do ser-homem e do ser-bom. Mas o Senhor que vem irradia já sobre estes uma luz, a luz exigida para a preparação e a espera adequadas. Por isso, só a partir do Senhor que vem e que veio podemos saber o que é ser-homem e ser-bom.» O Natal transporta em si mesmo desde a primeira narrativa conhecida a partir dos Evangelhos como Mateus e Lucas, uma Ética que coloca o Homem, crente ou não, na presença insuspeitada do Divino.É na Revelação do Deus que Lutero dizia estar «Absconditus», mas que o Menino de Belém veio revelar e colocar em contacto com a humanidade, que a tal Ética cria valores e ergue o Homem. Deu-lhe a dimensão de que Bonhoeffer fala de poder ser-homem e ser-bom. Por esta razão é incompreensível que o homem limite o Advento a estruturas meramente simbólicas e materialistas.Simbólicas, porquanto o Natal se apresenta num registo que deixa por vezes o plano da religião, como início do Cristianismo, e passa para o plano social, estritamente com os horizontes limitados a troca de presentes, por exemplo, e focado numa festa anual da família; e materialistas porque cede demasiadamente ao apelo do consumismo. E o que dizer de outros exemplos, que nem são simbólicos nem materialistas, no sentido que lhes dei, e que estão hoje nos hábitos das estruturas partidárias? A verdade é que fazem o seu «simbólico» jantar de Natal onde o que passa para a sociedade civil, pela pronta e necessária avidez dos meios de comunicação social, é a luta política na relação do discurso explícito Oposição versus Governo. Sem tréguas natalícias. O mesmo Dietrich Bonhoeffer escreveu, na sua derradeira obra – Resistência e Submissão (Cartas da Prisão) – «que o Cristianismo surge do encontro com um ser humano concreto: Jesus.».Hoje o Natal passou a ser a figura simbólica das ruínas da ética dita cristã, subsititui-se a Jesus Cristo, é só o Natal.Salva-O o melhor do mundo, que são as crianças, como o reconhecia Fernando Pessoa, salvam o Natal as crianças, mesmo contra o marketing violento que as atinge.

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(Fonte: João Tomaz Parreira, Diário de Aveiro)
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