segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"Deus e a Tragédia Humana"

Acabei de ver Baraka, um filme lindíssimo sobre a relação humana com a terra e com o divino; também sobre o vórtice dos processos de morte que imperam ao redor do Globo (mais sobre o filme aqui) Chorei em várias cenas. A palavra Baraka é uma antiga expressão sufi que significa silêncio da bruma (talvez o mesmo silêncio que fez Elias perceber a presença de Deus).

O filme mostra a luta de homens, mulheres e crianças pela sobrevivência, e como são muitas vezes despercebidos os processos de antivida, tão banalizados por toda parte. E sempre a serviço da morte, para destruir a terra e seus habitantes.

Engasguei quando o filme para nas fotografias de duas meninas mortas em holocaustos diferentes - Auschwitz e Camboja. O olhar puro de duas vidas anônimas destruídas sem necessidade, levaram-me a um choro convulsivo; também vazei lágrimas na cena de um guri pedindo esmolas, com um cobertor azul sobre as pernas.

Logo que o filme terminou murmurei em voz alta: o deus que intervém não existe (você se lembra da primeira frase do documentário Ilha das Flores?). Esse deus que esporadicamente vem trazer livramento aos seus eleitos é uma construção ideológica para acalmar as multidões. A tragédia humana, reduzida a mera máquina na linha de produção de cigarro ou automatizada pelo vai e vem do trânsito ou apequenada abaixo de sua dignidade em monturos de lixo, não comporta a ideia de um Deus todo-poderoso. Que deus é esse que acorrentado a um rancor milenar, nada faz pela sorte de homens e mulheres, mas os abandona na sorte mais cruel? A concepção de uma divindade ofendida, que resfolega ódio contra tantas pessoas condenando-as sofrer agruras indescritíveis, é absurda. Precisamos recompor a imagem que fazemos de Deus.

Padre François Varrilon (um francês maravilhoso) afirmou em seu livro “Alegria de Crer e Viver” (infelizmente esgotado): "Por vezes, diz-se: Deus pode tudo! Não, Deus não pode tudo, Deus não pode senão o que pode o Amor. Porque ele não é senão o Amor. E sempre que nós saímos da esfera do amor, enganamo-nos sobre Deus e estamos a ponto de fabricar um qualquer Júpter".

Preciso dizer-lhe, José, que não precisa ter receio de abandonar esse modelo teológico de compreensão da divindade. Não, não tenha medo! Você pode estar próximo de abandonar um modelo, mas você jamais vai se afastar de Deus. Pelo contrário, depois que assisti ao filme Baraka, meu coração se sensibilizou. Fui desafiado a olhar para a vida com outros parâmetros. Senti no espírito o dever de caminhar por uma senda pouco trilhada, mas que me possibilitará a chance de crescer. Acredito que Deus não deixa que os puros de coração embarquem em canoas furadas. O Espírito há de nos dirigir a novos patamares de relacionamento com o Senhor.

Ao conhecer um Deus que chora, pois a dor do mundo dói nele, nos aproximamos de Jesus. Damos as costas à divindade alheada da vida para entendermos a afirmação bíblica: Deus é amor. Pe. Varrilon precisaria ser mais conhecido, sua percepção sobre o amor de Deus é riquíssima.

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In Blogue do Pr. Ricardo Gondim