terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Sorrir para a Vida

Estava a ver, na televisão, o divertidíssimo vídeo que reproduzo abaixo e que foi gravado na área de check-in do aeroporto de Lisboa, em 23 de Dezembro corrente , quando a minha atenção foi aprisionada por um breve instante, um flash das imagens que corriam. Os potenciais passageiros, os mais afoitos, lá se foram entrosando no momento musical e cénico, absolutamente inesperado, e algo sui generis, proporcionado pela TAP e pela ANA, num horário em que, inesperada, costuma ser apenas a interrupção do sono, em contra-natura, obrigada pela imperiosa necessidade de viajar e que faz com que as pessoas se dirijam ao espaço de pré-embarque de um aeroporto. Para além de ter gostado de ver , ainda que não ao vivo, acho que os portugueses, e as pessoas em geral, andam carentes de momentos assim, que os surpreendam pela positiva, que os reconciliem com a vida e com os valores da vida, com as coisas simples da vida, que são normalmente as mais saborosas. Um facto registo desde logo: se fosse eu que estivesse ali para embarcar, com o sentimento misto de apreensão e expectação que normalmente me invade sempre que antevejo a possiblidade incontornável de ter que me meter dentro de uma passarola sustentada pelo vento ( para simplificar muito as coisas ), se fosse eu, nunca mais iria esquecer na vida aquele momento passado num aeroporto às seis e picos da manhã. Talvez não saltasse para a improvisada pista de dança para onde alguns, mais ou menos ousados, foram convidados a ir, desde logo, e para além do mais, porque nunca soube dançar; mas que ia vibrar interiormente, lá isso ia. Viveria sem dúvida o momento. É destes pequenos momentos que também se faz a nossa vida, e que são, na maior parte das vezes, irrepetíveis. Mas houve um detalhe, um breve flash, como dizia acima, que sustentou o meu olhar durante o tempo que durou. O medley de canções trouxe um êxito dos Abba e, uma provável passageira, iniciava algum acompanhamento corporal da música quando, de repente, foi interropida por um gesto de reprovação de uma menina, que talvez andasse entre os oito e os dez anos, porventura sua filha. Caramba, pensei, afinal os "Velhos do Restelo" podem povoar até a cabeça de uma criança, de curta idade, e levá-la a repreender os próprios adultos quando estes adoptam atitudes menos formatadas ou mais espontâneas ou até pouco consentâneas com os padrões comportamentais que passam a vida a impor-lhes. E isto levou-me a outro pensamento relacionado com a minha fé em Cristo e com a minha vivência cristã. Durante anos e anos elas foram formatadas por uma determinada visão, distocida e não bíblica, é verdade, mas a que me fui ajustando, embora cada vez menos confortavelmente, é certo, em prol da salvaguarda de valores e padrões que eu achava, ainda assim, ter que preservar, por alguma razão pouco segura, até entender, num flash, num pequeno detalhe, que só vale a pena preservar valores e padrões, e travar as lutas, que dignifiquem a verdade e a pureza do evangelho de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e não o contrário, porque o contrário só cauteriza e destrói a nossa fé; só nos tranforma em pequenos ou grandes fariseus, portadores de uma fé fingida ou superficial, autênticos "sepúlcros caiados". Passamos a vida envolvidos em causas. O cristão é um homem ou mulher de causas. Mas não devemos olvidar que estamos sempre em trânsito para uma pátria melhor, e que as nossas causas não podem perder de vista esse objectivo caso contrário perdemos-lhe o propósito e, sem isso, não há causa que subsista ou valha a pena. Talves a analogia que vou estabelecer, não seja das mais felizes, mas mesmo assim não resisto a fazê-la: no local mais inesperado, no momento menos pensado, por entre as subtilezas da biologia humana, que nos quer manter adormecidos, devemos, enquanto cristãos, manter a atitude da ANA e da TAP, duas empresas que tiveram a capacidade de fazer sorrir para a vida, por breves instantes, uma pequena quantidade de passageiros, em trânsito não sabemos para que latitude ou vivência, sabendo que a sua viagem, naquele dia, foi encarada de outra maneira, mais optimista, mais alegre, a pensar noutros valores, como os da vida, sem formatos pré-concebidos, que vale a pena ser vivida Quebrar tabus, ferir susceptibilidades de "velhos do Restelo", mesmo que venham mascarados de "novos", rasgar horizontes, fazer sorrir para a vida, nem que seja por por breves instantes, pode não mudar o mundo, mas poderá vir a marcar e mudar positivamente quem, mesmo que em trânsito, e sabe-se lá para que pátria, assiste, observa e, quiçá, "fotografa" o instante que nós proporcionamos enquanto filhos de Deus, imbuidos de vida. O apóstolo Paulo disse a determinado momento aos Gálatas: "Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou e não torneis a meter-vos debaixo do jugo da servidão" ( Gál. 5:1). Firmeza ( um padrão irrenunciável ) quanto à liberdade conquistada, é aquilo que se espera de cada cristão, e não nos devemos contentar com menos. Afinal, quando somos livres somos felizes e podemos fazer os outro felizes, olhamos a vida e as pessoas de outra maneira , mantemos a esperança na certeza dO que nos suporta. Eu duvido sempre de quem me transmite a ideia de que sou livre mas depois me quer fazer viver uma liberdade formatada por algo que não tenha a ver com o sangue de Cristo, que me libertou eficazmente, e com a Palavra da Vida que me faz sorrir, sendo que isso nada nem ninguém me poderá tirar. Normalmente somos pessimistas por natureza e optimistas por opção. Como cristãos fizémos essa opção junto à Cruz do Calvário. Não fomos chamados, individual ou colectivamente, como cristãos ou como comunidade de igreja local , para mudar o mundo todo mas para, pelo menos, não o deixarmos, à nossa volta, tão mal quanto o encontrámos. Esse terá que ser o nosso propósito e desafio, ser Sal e Luz, se é que Jesus fez algo em nós. É como imaginar um cirurgião que identifica e diagnostica claramente uma doença num paciente e sabendo que a pode resolver; ele terá que abrir para aceder ao cerne do problema e, seguramente, quando fechar, espera naturalmente ter deixado o seu paciente em muito melhores condições de saúde do que as que tinha anteriormente. Se não fosse assim, se ele não tivesse condições de resolver problemas de saúde através da cirurgia, perdia-se a expectativa e o objectivo principal do seu trabalho. Abrir, ver o problema e fechar sem o querer resolver, ou tentar resolver, não é o objectivo final de nenhum cirurgião. Claro que ,sózinho, um cirurgião não poderá aceder e operar todos os doentes do mundo, mas ele irá intervir nos que tiver ao alcance melhorando assim a sua qualidade de vida. Formatos para a mudança ? Amar o próximo, sem que isso implique pretender que ele seja exactamente igual a nós. A matriz é Jesus Cristo, não eu, não tu . Viver na Graça e na Liberdade do Senhor são os formatos em que Deus se empenha para a subversão dos valores e padrões alternativos e obsoletos, por desajustados e estranhos ao Evangelho, que nos querem impor e que nos agrilhoam a pesadas correntes e fortes amarras disfarçadas, na generalidade das ocasiões, de Liberdade, Graça e Amor de Deus. Se há coisa em que os religiosos são especialistas, é em mimetismo de recorte espiritualista; o apóstolo Pedro alerta-nos para isso nas suas epístolas, bem como Paulo.
Viver na Graça e no Amor de Deus, é sorrir para a vida, sem máscaras ou formatações miméticas. É viver na espontaneidade da constante presença de Jesus no nosso dia a dia. É esperar nEle como uma criança espera no pai.
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Jacinto Lourenço
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