quinta-feira, 3 de junho de 2010

Mudar, Imperativo da Vida

Os sistemas estáticos são mortos; as ideias engessadas são dogmas intolerantes; as instituições inflexíveis são tiranias. A vida acontece na transformação. Tudo flui. O tempo sangra como hemorragia porque vaza a existência por um ralo cruel. Mas não há como estancar o escoamento das horas.
*** Mudar é aceitar a inexorabilidade do tempo; é reconhecer a impossibilidade de lançar ganchos, estacionar, e recusar o imperativo divino: “Manda que o povo marche”.
*** Machiavel afirmou:
*** “Não há empresa (tarefa) mais difícil de conduzir, mais incerta quanto ao êxito e mais perigosa, do que a de introduzir novas instituições. Aquele que nisso se empenha tem por inimigos todos quantos lucravam com as instituições antigas, e só encontra tíbios defensores naqueles aos quais as novas se aproveitam”.
*** Vem de José Comblin a expressão”teologia cínica”. Teologia cínica é a que sistematiza verdades sem criticá-las ou que repete conceitos cristalizados pelo senso comum. Para Comblin, o sentido de “cínico” está conectado ao foco do pensar: quando a defesa do argumento ou do conceito é priorizada sem sensibilidade aos indivíduos. Falar em tese, pensar a partir de absolutos, reduz a linguagem religiosa ao teorismo da torre de marfim. Acontece que a experiência de Deus na história é de inquietação e não de apatia. A verdade, se pretende ser verdade, deve ligar-se à vida e não ao argumento que satisfaz uma lógica interna.
*** Hannah Arendt acertou ao afirmar que milagre é a interrupção de qualquer processo automatizado. Mudar é alterar o que outrora se considerava inamovível; é reverter o irreversível. Profetas não encalacram futuro dentro de suas previsões, mas o libertam para infinitas possibilidades. O futuro se bifurca em trilhões de esquinas a partir das decisões livres de homens e mulheres. Os profetas apenas alinhavam o porvir para depois ensinar os pontos que firmariam as costuras.
*** Mudanças comportamentais são estimuladas entre religiosos, mas mudanças conceptuais são vistas como anátemas. Jesus, logo depois de ter dito aos discípulos que era a Verdade (Jo 14.6), prometeu que o outro Consolador, o Espírito Santo, os conduziria a mais Verdade. Jesus tinha muitas coisas para ensinar, mas os seus seguidores mais próximos ainda não estavam prontos para suportar: “Ele vos guiará a toda Verdade” (Jo 16.13). Eles deveriam manter o coração ensinável, a mente flexível e o coração sensível porque o caminho para a Verdade não se exaurira e nem se esgotaria tão cedo.
*** Mudar, portanto, significa se abrir para verdades que outrora não encontravam porto na interioridade. Mudar é admitir que nunca estamos totalmente prontos para entender tudo. Mudar é aprender a deixar para trás o que outrora nos encantava para absorver o que os olhos nunca viram, os ouvidos nunca ouviram e nunca o coração humano intuiu. Mudar é abrir mão do que antigamente fazia sentido para que resplandeçam novos lampejos de sabedoria, lucidez e esclarecimento.
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Soli Deo Gloria
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