Há muitos e variados mistérios na história das relações entre Portugal e Espanha. Conta-se, por exemplo, que Felipe II terá ficado deslumbrado com Lisboa e que pretendeu fixar a capital do reino naquele lugar junto ao mar, onde o céu é mais pálido e o Tejo se engrandece. Supersticioso como era, acabou por não o fazer porque o seu astrólogo não gostou das energias que pairavam sobre a cidade a que Ulisses deu nome. Era tudo demasiado negativo e pouco aconselhável à saúde do monarca espanhol que já de si manifestava uma certa tendência para a depressão. Felipe II acabou assim por colocar de lado a ideia e retirou-se para o Escorial, perto de Madrid, onde se encerrou com mais de mil amuletos espalhados por aquele gigantesco, sóbrio e frio mosteiro, longe do mar e da nostalgia tão tipicamente portuguesa.
Não se sabe se, na sua passagem por Lisboa, Felipe II tinha consciência da existência de uns magníficos tapetes que Afonso V de Portugal encomendara um século antes aos mais prestigiados artesãos de Tournai, na Flandres, com base num desenho do pintor Nuno Gonçalves, para celebrar as conquistas de Tanger e de Arzila, em 1471, e que valeram a este nosso rei da dinastia de Avis o cognome do Africano. A verdade é que pouco se sabe sobre a origem e o percurso destas quatro telas, com quatro metros de altura e onze de comprimento, tecidas a seda e lã no atelier dos mestres Passchier Grenier, e que estão classificadas como a melhor colecção do mundo em estilo gótico. O que se sabe, sim, é que foram localizadas em 1628 no palácio dos Duques do Infantado, em Guadalajara, e que em 1664 foram doadas à Colegiata de Pastrana pela família Mendonza, grandes de Espanha com nobre origem portuguesa, onde têm permanecido.
O mistério à volta destes tapetes é denso. Há historiadores que aventam a hipótese de terem ido parar a Castela pela mão de Felipe, o Belo, duque da Flandres e Borgonha, que veio a casar-se com Joana, a Louca, filha dos reis católicos, consolidando assim a ideia de que as tapeçarias nunca terão chegado a solo pátrio; ou que foram parte de um saque na Batalha de Toro em que portugueses e castelhanos se enfrentaram por pretensões do rei de Portugal à coroa do reino vizinho; ou ainda que pudessem ter sido um presente de Afonso V ao grande cardeal Mendonça como gesto de gratidão pela forma como foram tratados os prisioneiros portugueses após Toro.
O que hoje se sabe é que estes exemplares perdidos, que falam do poder e da glória de Portugal, vão estar à vista de todos no Museu Nacional de Arte Antiga, a partir do próximo sábado. Depois, voltarão para o lugar onde foram achados.
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Maria de Lurdes Vale in Diário de Notícias Online