quinta-feira, 8 de julho de 2010

AS PAISAGENS DRAMÁTICAS DE WILLIAM TURNER

Uma breve écfrase à poética da sua pintura
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Diz-se que Turner interpretou na tela todos os temas de uma forma épica. Diz-se que começou como pintor topográfico e pouco a pouco foi se inclinando para as paisagens, principalmente as marinhas. Escreveu-se dom de transfiguração poética, liberdade de composição, violência tonal (nos tons) para a fase final da sua obra, talvez a mais impressionante e universalmente conhecida. A verdade é que ao transportar para as suas obras toda uma visão épica, uma minúcia dos topoi, e todo o seu ponto de vista sobre as cenas marítimas, Turner usou sobretudo a dramaticidade dos confrontos, da luz / sombras; calmaria / tempestades; céus prontos para acolher anjos ou demónios, consoante o dramatismo ou o lirismo das suas cores. Não há estados melancólicos nos seus quadros, nem mesmo nos mais figurativos e livres do clima da aspereza e da tormenta. Paisagens carregadas de dramatismo, colorismo dramático, paisagens com um drama romântico que o próprio romantismo literário utilizou na poesia, embora estivesse a surgir o Realismo, a Revolução Industrial e o Romantismo prestes a ser sepultado. Um realista? Sim, quando nos conduz ao cerne das tempestades marítimas, por exemplo, mas a sua paleta e a textura arrebatadora da conjugação das suas cores, sob a luz e as sombras, já prenunciava o Impressionismo; a fealdade bela de alguns dos seus quadros, porventura leva-nos um pouco mais longe, até ao expressionismo. E a aplicação da luz sobre as coisas, sejam os elementos da natureza, do céu e do mar, dos barcos ao trem a vapor, do Grand Canale calmo às tormentas, e o amálgama que disso tudo fez com a fulguração das suas cores misturadas e já sem formas definidas o colocaram sob a perspectivação do abstraccionismo avant la lettre, que, disseram críticos de arte, veio a surgir nas formas e nas cores fundidas, como nas obras de Kandinsky e de Paul Klee. Nas telas de Turner, que nos colocam diante da rudeza dos elementos naturais, os seus redemoinhos não são de água, nem de ventos, são de luz, assim toda a teoria anterior da paisagem convencional estava subvertida. Não haveria já lugar para a mimésis aristotélica, mas para a criação pura e simples de algo novo, a que o vocábulo hebraico “bara” serviria, não fosse o exagero do seu uso neste caso. William Turner foi um intérprete das atitudes agónicas, não se pode afirmar que as suas interpretações pictóricas não sofram de passionalidade. Turner pintou a exaltação da natureza, no que ela tem de mais agreste e de mais anti-paixão. Foi essencialmente um poeta da cor, dos confrontos entre luz e sombras (não trevas), um poeta das tempestades. Não pintava formas, mas estados de cor, atmosferas exteriores da natureza, névoas com conteúdos.
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Por: João Tomaz Parreira
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- Colaborador no Ab-Integro