segunda-feira, 16 de março de 2009

Portugal, um país de Papel

Mais uma notícia do conformismo

Elvira Fortunato é uma cientista portuguesa. No país onde trabalha é certamente menos conhecida que o defesa-esquerdo de uma equipa de futebol do meio da tabela da primeira divisão. Mas ao nível internacional há quem saiba o seu nome e, mais importante, enalteça o seu trabalho. Recebeu o prémio do European Research Council na área da electrónica transparente a nível mundial, e nem a superestrela Cristiano Ronaldo consegue ser citada tantas vezes como ela na Internet. Num país competente e confiante, com a invenção de transístores de papel que deram origem a uma das patentes mais cobiçadas do mundo, a sua inteligência seria motivo de uma dura disputa entre empresas e empresários.

No país moderno e cada vez mais voltado para as tecnologias de ponta que o governo gosta de descrever, não faltariam parceiros interessados em desenvolver a sua investigação. Não foi isso que aconteceu. O que diz muito sobre o nervo com que Portugal olha para o futuro e se dispõe a aproveitar as raras oportunidades que lhe batem à porta (…). Durante meses a cientista fez tudo para encontrar parceiros em Portugal para desenvolver a sua invenção que, dizem especialistas internacionais, pode revolucionar a electrónica e criar um novo mundo de ecrãs em papel. Ninguém a ouviu. Ninguém se manifestou disposto a investir numa indústria que ainda está nos primórdios. Acabariam por ser os brasileiros da Suzano, um gigante brasileiro da indústria do papel, a envolver-se na parceria (…).

Que se saiba não terá havido qualquer entusiasmo para, ao menos, estudar as potencialidades da patente da cientista. Seriam já efeitos da crise ? Seja como for, podemos ter a certeza de que os brasileiros não embarcaram na aventura nem nos custos do desenvolvimento dos transístores de papel por qualquer outro interesse senão o dos lucros do futuro (…).

A realidade é o que é, e hoje nem são precisos os Velhos do Restelo para a confirmar. Enquanto não formos capazes de vencer esta propensão para o conformismo e a desistência, enquanto qcreditarmos que o mundo acaba na Ponta de Sagres, exemplos como os de Elvira Fortunato continuarão a fazer carreira.

In Jornal Público de 15 de Março de 2009