O Google tem destas coisas; lembrar-nos de factos que nos passariam um pouco ao lado mesmo sendo por vezes do nosso conhecimento genérico. Foi assim, hoje, com o Google a lembrar-nos que Agatha Christie, se fosse viva, faria 120 anos. Nada de mais, há pessoas, poucas, que têm lá chegado, ou muito perto, mas em vida.
A autora de policiais e de personagens famosas com eles relacionadas, fizeram, e fazem ainda, parte de um tipo de literatura policial diferente da generalidade do mesmo género, e é isso que me encanta e que fez as minhas delícias desde sempre. Trata-se de literatura policial, permita-se-me o termo, "cavalheiresca". Isto é: até à descoberta do "bandido", investigador e suspeitos tratam-se, quase sempre com um misto de desconfiança, aproximação/distanciamento e cavalheirismo, revelando, pouco a pouco, através de pequenos esgares, sorrisos subliminares, breves palavras soltas pontualmente e pequenos deslizes, aos olhos do investigador, o rasto do crime e como este pode ter sido cometido bem como as suas motivações. Mas claro, tudo isto mantendo o(s) suspeito(s) na eterna dúvida de poder ou não, ele próprio, suspeitar de que é suspeito.
A trama de um policial de Agatha Christie desenvolve-se num crescendo de factos e envovências humanas, e até de geografia física, que quase nos conduz à observação de uma pintura imaginária da escola inglesa da época Vitoriana. Insere-nos numa história intrigante, mantém-nos permanentemente num limbo de verdade/mentira, dependurados de uma riquíssima capacidade da autora para encontrar os mais lúgubres lugares da alma humana e de os preencher com factos criativos inusitados e inesperados para o leitor.
Quando damos conta, estamos prisioneiros de Hercule Poirot, uma das mais famosas personagens de Agatha Christie, e do original olfacto deste para desvendar os mais intrincados mistérios de um crime, através de pormenores de tal irrelevância que passariam completamente ao lado mesmo até de um atento observador. "Devorar" livros de Agatha Christie, acontece-me muitas vezes, em especial nos mais livres dos meus tempos livres, aqueles em que me apetece estar especialmente isolado de qualquer obrigação profissional, académica, ou social. É assim desde que me conheço a saber ler razoavelmente, e já lá vão mais de quatro décadas.
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Jacinto Lourenço