Ando pelas ruas da cidade, cruzo-me com pessoas nos transportes públicos, ouço as conversas, olho os jornais e revistas que lêm, observo grupos de adolescentes e comportamentos. Entro em lugares públicos, correios, cafés, livrarias, centros comerciais, repartições, e uma preocupação invade-me: os portugueses, pelo menos uma grande parte daqueles com que me cruzo, exibem um grau elevado de subdesenvolvimento cultural, e mesmo iliteracia congénita, a avaliar pela construção frásica das suas arengas e pela forma como interpretam o que lêm ou ouvem. Os mais jovens, os que supostamente ainda estarão em idade escolar, utilizam entre si um idioma que, sendo minimamente entendível, faz lembrar mais um qualquer crioulo do que o português propriamente dito, depois, quando chegam à Universidade para frequentarem cursos com notas mínimas de acesso é o que se vê; normalmente não se sabem sequer exprimir em português corrente. As suas horas vagas servem para tudo menos para pensar no seu próprio futuro, que os pais hão-de pagar até à exaustão como se isso fosse igual a proteger os filhos. E de repente, como se de uma pedrada no charco se tratasse, vejo no telejornal que numa escola secundária de Bragança, a Miguel Torga, numa normal turma do 12º ano, 10 ou 12 alunos ( se o rácio for o normal, será igual a 50% da turma ) entraram em cursos na Universidade a que normalmente só se consegue aceder com médias iguais ou superiores a 18,50 valores ou lá muito próximos. Isto traduz de imediato duas coisas: nesta escola, nesta turma, foi declarada guerra ao subdesenvolvimento cultural e à iliteracia. A vitória obtida, não é apenas resultado da aplicação e trabalho dos alunos. Aqui, há a mão dos professores, de pais, da estrutura escolar e do apoio que oferecem para que os alunos possam alcançar o sucesso que pretendem, aqueles que o pretendem, claro, e que todos nós devemos desejar para todos os jovens estudantes.
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Interroguei-me sobre o que tenho andado a ouvir nos últimos anos, da boca dos políticos, sobre educação, interioridade e atraso cultural. Parece-me, afinal, que alguma coisa não bate certa e que, ao contrário do que me dizem, não é o isolamento geográfico ou a interioridade que condenam, em definitivo, as pessoas à iliteracia ou atraso cultural, até porque, também noutra cidade do interior, Viseu, de uma outra escola secundária sairam 27 alunos para cursos com médias de entrada na Universidade igualmente a roçar os vinte valores . O problema, em minha opinião, está mais nas grandes cidades que massificam atitudes e comportamentos e que afastam as pessoas, desde tenra idade, da escola e do interesse pelo saber. Afinal, e mais do que provavelmente, o interior é bem capaz de oferecer muito melhores condições para estudar e trabalhar arduamente do que os grandes centros urbanos onde a oferta de divertimento fácil, vida nocturna acessível e em profusão, laxismo e/ou falta de tempo dos pais para estarem, ao menos, atentos ao que se passa em casa com os seus filhos que estudam, a juntar a uma excessiva preocupação de ostentação de uma imagem exterior em oposição ao conteúdo interior das pessoas, a cultura do hedonismo sem respaldo em qualquer esforço que a faculte e, seja lá mais o que for, estão a produzir, massivamente, cidadãos para o insucesso escolar condenando-os à iliteracia e ao atraso cultural, que se irá reflectir, inexoravelmente, no atraso social e económico do país espelhado, aliás, na nossa actualidade.
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Comentam-se as telenovelas do dia anterior e as peripécias das suas personagens com um palavreado a denotar as dificuldades de construção verbal minimamente aceitável . Discute-se a bola como se fosse um caso de vida ou de morte. Os diálogos tornam-se enjoativos de tantas vezes ouvidos sem variação de tema ou verbo; exibem-se complexas tatuagens em todas as partes do corpo que deixam transparecer e adivinhar um exibicionismo doentio isento de valores. Gadget`s saltam dos anúncios ao consumismo para pularem de mão para mão como que a dizer "eu tenho e tu não tens" pretendendo afirmar assim a supremacia de uma "cultura" urbana do superlativo e do "faz de conta". A "Rapariguinha do Shoping", de Rui Veloso, comparada com esta "cultura" balofa e bacoca, de pés de barro, era uma menina de coro.
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Não acho que as pessoas tenham obrigatoriamente que discutir apenas poesia, teatro, musica clássica, literatura, ciência, etc, mas penso que qualquer curriculo escolar devia apontar, obrigatoriamente, para uma educação para a cidadania e não apenas para a estatística. É que assim não vamos lá. Assim Portugal será um país eternamente adiado correndo um risco muito sério de viver mais novecentos anos orgulhoso das suas seculares fronteiras, língua e pátria, mas condenando indefinidamente os seus cidadãos a serem o riso da Europa e o país a ser uma anedota histórica.
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Jacinto Lourenço