terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Que Não Mostra o Egipto

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Uns podem dizer que é o poder da comunicação; o Facebook, o Messenger, o Myspace, o Youtube, etc. Outros que não, que isso tem pouco a ver, que o problema é a democracia, ou a falta dela. Outros dirão que é a ausência de liberdade; a repressão, a ditadura, enfim; cada um terá a sua visão. Mas, na minha perspectiva, a questão fundamental da revolta de cariz popular, aparentemente sem liderança conhecida, que está em marcha no Egipto, resulta de tudo isso, da facilidade de comunicação, do anseio popular por democracia e liberdade e, acima de tudo, resulta de algo muito mais prosaico e básico: fome, carência das coisas mais elementares a que nós, na europa, já não damos muito valor a não ser quando uma qualquer pequena crise, como a do açúcar recentemente, nos faz olhar para a falta que nos fazem as coisas que não valorizamos face à facilidade com que nos chegam.
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Mesmo que o quisesse não conseguiria deixar de olhar para o Egipto sem simpatia e carinho. Não, já não falo do Egipto de Ramsés II, dos territórios de Gosen, da escravatura do povo Hebreu, das pragas. Não falo desse Egipto, falo do Egipto de sempre, de ontem, de hoje, de uma civilização multisecular que me prendeu quando tive que a estudar.
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Depois de Israel, o Egipto é, naquela região do mundo, a nação que mais estudei e que mais prendeu a minha atenção desde sempre. Por razões óbvias primeiro, e pelo facto de ser cristão, mas por necessidade e gosto pessoal depois. É por isso que olho para aquela gente que está todos os dias na praça Tahrir, no Cairo, a clamar contra um governante que quer longe dali, com compreensão e simpatia. Vejo crianças, homens, mulheres, jovens, velhos, pessoas de todas as idades a gritar por liberdade e justiça social. Compreendo a sua revolta: eles clamam por tudo, mas fundamentalmente por pão e direitos que lhes foram retirados por um país dirigido por cleptocratas. E estão ali, todos os dias, como se fora uma festa, a festa da liberdade de poderem gritar que têm fome mas também sede de justiça. Ver muçulmanos e cristãos juntos a manifestarem-se pacificamente, dá-me a noção da justeza do seu grito. Não vejo queimarem bandeiras de Israel ou americanas, na praça Tahrir. Mas isso acontece nos grupos de apoiantes do actual presidente egípcio que culpam até os jornalistas por tudo o que está a acontecer.
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Dizem-me os meios de comunicação que Mubarak possui uma fortuna pessoal avaliada em 70.000 milhões de dólares. Pergunto-me como é que foi possível a um militar de carreira acumular tamanha fortuna ocupando apenas o lugar de presidente e mesmo assim insistir que é a solução para a crise ? E o seu povo a passar necessidades debaixo da sobranceria do seu olhar e a sobreviver com uma média de um dólar diário .
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Compreendo a luta dos povos árabes, mas não posso deixar de temer o radicalismo de algumas correntes islâmicas que procurarão aproveitar a onda de revolta social. Não sei se os povos alcançarão apenas aquilo porque clamam ou se terão que sofrer, outra vez, porventura com configuração diferente, aquilo de que se querem agora libertar.
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No meio de toda a agitação, particularmente no Egipto, e marginalmente a ela, emerge sempre o nome de Israel. Atento, seguramente. Esta revolta pode caber-lhe por tabela conforme aquilo que sair do Egipto quando assentar o pó da revolta popular.
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Enquanto isso, a figueira continua a brotar...
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+ + Jacinto Lourenço