Não vejo na televisão aquilo que os canais de televisão querem que eu veja. Vejo na televisão aquilo que desejo ver, e que não é muita coisa, diga-se.
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A televisão por cabo, com as designadas box's, trouxe para muitos esta liberdade de só vermos aquilo que efectivamente desejamos, programando previamente coisas que serão vistas mais tarde. Foi assim que me aconteceu ontem à noite, após ter regressado a casa, com o filme "O rapaz do pijama às riscas". Não é um filme recente. Nem sequer um daqueles ícones das películas cinematográficas de que se fica a falar para o resto da vida. Embora estivesse por mim referenciado, ainda não tinha acontecido ver.
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Já o disse aqui: acho que a minha geração, tendo nascido uns anos largos após o fim da segunda guerra mundial, foi a última tocada por esse horror. Não faltavam livros e filmes que retratavam o que tinha acontecido. Chegaram-nos heróis de cuja existência duvidamos muito, produzidos, quiçá, por uma indústria que queria apenas facturar à custa de histórias de guerra e que sempre tiveram um público próprio. Mas mais importante do que isso, ou apesar disso, o que elas contavam, mesmo trazendo à mistura exageros e estilos romanceados, levavam-nos a perceber claramente o que se tinha passado na europa e no pacífico, e o que estava por detrás da urdidura da guerra . No anos em que vivi a minha adolescência, os traumas e lembranças amargas estavam à distância de duas décadas, muito ainda à flor da pele, o suficiente para que se ouvisse ainda o eco dos canhões e se sentisse o odor libertado dos fornos crematórios para os céus europeus.
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O "Rapaz do pijama às riscas" é um filme diferente. Deixa em relevo que, mesmo nos piores cenários de choque, demência e horror, a ternura é possível. A guerra está ali confinada à vida dos protagonistas. Desiludam-se os que esperam canhões, disparos, granadas, cenas de mortes fantasmagóricas. Não é disparado um tiro durante o filme, tanto quanto me lembro. Mas a densidade psicológica deste atinge-nos através do écran. Impossível ficar indiferente à história. A ficção, neste filme, mistura-se com a realidade, que podia ter acontecido assim, daquela maneira, na vida dos principais protagonistas: dois rapazinhos de oito anos de idade, Bruno e Shmuel; um, alemão, filho do militar responsável de um campo de concentração na Alemanha, o outro, judeu, prisioneiro nesse campo. O que vimos no filme é a luta entre a verdade e a mentira, a inocência e a maldade. A estupidez e a honra. A degradação do ser humano pela manipulação dos sentimentos, que é sempre possível em tempos de fragilidade psicológica e social dos povos e das pessoas.
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O "Rapaz do pijama às riscas" lembrou-me que ainda vivo nesta mesma Europa, que deu por encerrado o triste capítulo da segunda guerra mundial há apenas 66 anos. Para as novas gerações, que acham dilatado este intervalo de tempo, talvez fosse bom lembrar que apenas na década de sessenta do século vinte se terá concluido a reconstrução económica e social provocada pela destruição.
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É por isso tudo que sou tão desconfiado relativamente aos novos "eixos" políticos que estão a surgir nos tempos que correm, integrando países que querem dominar e esmagar outros, pela economia e poder do dinheiro, facto que não conseguiram pela força das armas nesta europa que ainda não lambeu todas as feridas da segunda guerra mundial. Os silêncios e compromissos envergonhados podem ser hoje tão perigosos para a europa como o foram antes de 1939. Infelizmente, a memória é curta. A história, essa, não perdoa visões estreitas.
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Como cristão, todos os dias oro ao meu Deus para que os homens entendam o seu destino espiritual e deixem de promover políticas que sejam geradoras de miséria e desigualdade humana sempre susceptíveis de, mais tarde ou mais cedo, nos conduzirem a becos sem saída.
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Jacinto Lourenço