segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Será Culpa dos Árabes ?

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Amin Malouf é Libanês. Nasceu no Líbano em 1949 mas vive em Paris, França, desde 1976. Jornalista e repórter, já esteve em trabalho em dezenas de países. É autor de diversos livros, entre eles, o que tenho em mãos e que estou a ler, "Um mundo sem Regras", e outros onde ressaltam as temáticas relacionadas com a realidade do Islão como "As Cruzadas vistas pelos Árabes". É por tudo isto que Amin Malouf sabe do que fala quando fala destes temas e da sua correlação com o Mundo Ocidental.
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Na Europa tendemos a diabolizar tudo o que se passa para lá do mediterrâneo, mesmo se não compreendemos muito bem o que se passa e porquê se passa. Consumimos assim toda a informação sem possibilidade de efectuar qualquer triagem que a possa coar e descodificar. É por isso que, depois, ficamos muito admirados com os recentes acontecimentos no mundo árabe. As ditaduras, os tiranos e os escroques que se instalaram no poder nos países do Islão e utilizam a exploração vil e a repressão criminosa como modo de domínio, não explicam tudo o que observamos. Talvez devamos, se não compreendemos tudo, pedir que nos expliquem, e de preferência a quem não fale de cátedra ou com a ligeireza do "directo" em cima do acontecimento, ao nível do chão, mas a quem tenha uma visão detalhada e um conhecimento, de facto, do que está a suceder nos países árabes na actualidade e que tem mais a ver connosco do que imaginamos.
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O livro de Amin Malouf, que estou a ler, foi editado em Português, em 2009, pela Difel, logo com uma distância de mais ou menos dois anos das actuais revoltas populares em diversos países do médio oriente, e é por isso que se torna mais interessante olhar o que já mesmo antes de 2009 tinha dito o escritor na edição em inglês.
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"O passado, e muitas vezes também a religião. O Islão é um santuário para a identidade como para a dignidade. A convicção de possuir a verdadeira fé, de estar prometido a um mundo melhor, enquanto os ocidentais estariam no desvario, atenua a vergonha e a dor de ser um pária na terra, um perdedor, um eterno vencido. Hoje, este é precisamente um dos raros domínios, talvez o único, onde a população ainda guarda o sentimento de ser abençoada entre todas as nações, de ser "eleita" pelo Criador, e não maldita e rejeitada.
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À medida que a situação dos árabes se deteriora no terreno, à medida que os seus exércitos se deixam derrotar, que os seus territórios se deixam ocupar, que as suas populações se deixam perseguir e humilhar, que os seu adversários se mostram todo-poderosos e arrogantes, a religião que deram ao mundo torna-se o último território onde a sua auto-estima sobrevive. Abandoná-la é renunciar à sua principal contribuição para a História universal, de certa forma é renunciar à sua razão de ser. Por isso, a questão que se coloca às sociedades muçulmanas nesta idade da dor não é tanto a da relação entre religião e política, mas da relação entre religião e história, entre religião e identidade, entre religião e dignidade. O modo como a religião é vivida nos países do Islão reflecte o impasse histórico em que os povos se encontram; se sairem dele poderão encontrar os versículos que convêm à democracia, à modernidade, ao laicismo, à coexistência; ao primado do saber, à glorificação da vida; a sua relação com a letra dos textos tornar-se-á menos exigente, menos fria, menos rígida. Mas seria ilusório esperar uma mudança apenas pela virtude de uma releitura. Perdoem-me se o repito mais uma vez: o problema não reside nos textos sagrados e a solução também não.
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Não há qualquer dúvida de que este impasse histórico do mundo muçulmano é um dos sintomas mais manifestos desta regressão para a qual toda a humanidade se dirige de olhos vendados. Será culpa dos árabes, dos muçulmanos, e da maneira como eles vivem a religião ? Em parte, sim. Não será também culpa dos ocidentais e da maneira como eles geriram ao longo dos séculos as suas relações com os outros povos ? Sim, em parte.[...] Será já demasiado tarde para se estabelecer um compromisso histórico que tenha em conta simultaneamente a tragédia do povo judeu, a tragédia do povo palestino, a tragédia do mundo muçulmano, a tragédia dos cristãos do Oriente e também o impasse para onde o Ocidente se esgueirou ? [...]
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Como vimos, Malouf, põe o dedo na ferida e anticipa muito daquilo que hoje nos chega. Infelizmente, creio que, de um lado e de outro do mediterrâneo, os povos irão continuar de costas voltadas enquanto o ódio cresce; e a planta do ódio, como vimos, alimenta-se da sua própria semente. Cristãos perseguidos e mortos no Oriente, muçulmanos marginalizados e hostilizados no Ocidente. Democracias formais de um lado e ditaduras de outro mostram-se incapazes de construir pontes credíveis que se espraiem para além do petróleo e do armamento.
+ Enquanto isso, a figueira continua a brotar... + + + + + + + + + + + + + + + + Jacinto Lourenço