sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Fome e Sede de Justiça

“(…) São as pessoas que não se adaptam a esta construção social ou é esta construção social que não serve as pessoas ? ”

“O caso de Isabel é um entre muitos”

“ Está uma mulher carregada de sacos a correr ao longo do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. Está a tentar chegar a tempo à paragem de autocarro, que só passa de meia em meia hora. Ela chama-se Isabel Manuel, tem 29 anos e um filho de dois. Nasceu em Angola mas vive em Portugal há 12 anos. Vai naquela correria desenfreada para ir buscar o filho à creche da Segurança Social, que fica em Santa Apolónia. Sai do emprego – trabalha na copa de um restaurante em Belém – às cinco e meia da tarde. As educadoras guardam as crianças até às seis, e ela, se não houver atrasos nos três autocarros que tem de apanhar, com um bocadinho de sorte e o passo estugado, consegue chegar ao jardim-de-infância às seis e meia. «Menos mal, assim não ralham comigo».

Dá a mão ao gaiato, se ele está de birra, coloca-o às cavalitas e torna a apanhar um autocarro, direito ao Cais do Sodré. Daí, apanha o barco para Cacilhas e espera vinte minutos por outro autocarro, que a leva à Baixa da Banheira. Nunca põe o pé dentro de casa antes das oito da noite. Duas horas e meia de viagem para cada lado, todos os dias. No mínimo. Depois é fazer a sopa para o rapaz, dar-lhe banho, comer alguma coisa, se houver. E cama, que o dia começa às seis menos quinze. «Ganho 565 euros por mês, incluindo já o subsídio de alimentação. Pago 200 Euros de renda de casa, 50 da escola e 55 de passe social. Como o meu trabalho funciona por turnos, estou muitas vezes com o horário das cinco da tarde às duas da manhã, por isso pago mais cem Euros a uma senhora que me toma conta do menino. As contas da água, da luz e do gás dão mais ou menos 30 Euros por mês». Sobram-lhe 130 para comer, vestir e comprar de vez em quando um brinquedo ao filho.

Isabel tem uma depressão. Quando se senta à mesa da cozinha, tudo é desespero. Há alguma fruta que a ama do filho vai buscar à praça, são as sobras do dia . Há Cerelac para o pequeno-almoço do miúdo. Ela faz normalmente uma refeição por dia, a que lhe dão no restaurante. «Desmaio muitas vezes. Pensava que era da fome, mas não é só. Também tenho tremores, diarreia, vómitos. Não consigo deixar de pensar no que a minha vida se tornou, não consigo dormir, preocupada com o meu filho. Ai se eu um dia adormeço, ai se chego atrasada para o ir buscar ou para o ir levar. E tenho tanto medo de ser despedida».

O futuro não existe. Ela não sabe o que irá fazer quando o rapaz crescer e for para a escola primária. Ou quando tiver de lhe comprar livros. Ou quando o miúdo for demasiado grande para andar ao colo da mãe e tiver de pagar bilhete de autocarro. «Se financeiramente não está bem, emocionalmente também não. Como é que consegues rir se estás a passar fome? E é por isso que as pessoas enlouquecem. E eu às vezes sinto que passo a barreira, que não aguento mais, sei lá, que passo para o outro lado. Mas não tenho medo de enlouquecer. Loucura é esta vida que eu levo».(…) «Às vezes, quando chega ao fim de semana, vou ao Centro Comercial encher os olhos na Zara. Gostava de comprar uma camisola ao miúdo ou de ter um telemóvel, mas não posso. Tudo o que tenho vai para as fraldas, para o leite, para a papa». (…) Isabel estudou até ao 9º ano em Luanda e, quando chegou a Portugal, começou a trabalhar no que mais gostava: tomar conta de crianças. À noite estudava. Tirou um curso de secretariado, outro de inglês, um de informática e ainda a carta de condução. «Investi na minha formação e para quê? Só arranjo emprego a lavar pratos. Devia ter poupado esse dinheiro, hoje dava-me muito mais jeito para comer».(…)

«Sei que estou doente». Sem esperança. Nem apoio de ninguém. Isabel precisa de anti-depressivos para aguentar os dias, de calmantes para as noites, mas só os toma quando tem dinheiro ou quando alguém da Segurança Social lhe arranja a medicação sem custos. Há cinco anos ganhava bem, tinha uma boa casa, podia comprar roupa e tirar cursos, podia fazer voluntariado. Perdeu tudo. E está doente.”(…).

Texto de Ricardo J. Rodrigues in Revista Notícias Magazine – Edição do jornal Diário de Notícias.

“Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei”

Palavras de Jesus.

As palavras de Jesus comprometem cada cristão para com o seu próximo.

O mundo está cheio de “Isabéis” e de relatos como este, que nos atormentam e tiram o sono. Enquanto filhos de Deus, não podemos apenas hipocritamente dizer “ que Deus te abençoe, Isabel ”, especialmente se Isabel e o seu pequeno filho têm fome de tudo, mas especialmente “têm fome e sede de justiça”. Valores que o “deus mercado” lhes retira todos os dias.

“Compromisso” , é o que Deus requer de cada cristão. Todos os dias.