quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O "deus" Mercado

“O mercado tem sido cada vez mais citado como força propulsora de sociedades inteiras e de todo o tipo de relações, das interpessoais às internacionais. Utilizando uma série de mecanismos para estabelecer parâmetros, fomentar condutas e definir regras, o mercado tem sido elevado a uma espécie de altar neste século 21. Pelas suas regras, a capacidade empreendedora transforma “matéria-prima” em produto, afim de atender às demandas e aos interesses dos clientes. É assim que surge o lucro, objectivo primordial do mercado; no final, o “produto” proporciona um certo grau de satisfação a quem o consome. Entidade distante da compreensão das pessoas comuns, e ao mesmo tempo tão próxima a ponto de interferir na vida do indivíduo, o mercado transcendeu a esfera puramente económica para se intrometer na política, no desporto, na ecologia e até na religião.

A indústria do futebol, por exemplo, consegue satisfazer as demandas de entretenimento e paixão dos adeptos, transformando um tipo de “matéria-prima” em produto passível de comercialização. Empresários conseguiram transformar o futebol num dos mais rentáveis negócios do mercado. A capacidade de muitas crianças e adolescentes para controlarem e conduzirem com os seus pés uma bola de futebol – habilidade tão comum entre os brasileiros –alimenta essa indústria. Assim, logo a partir de criança, são “fabricados” atletas nas “indústrias” dedicadas ao futebol; os clubes ou centros de treino, comercializam, “literalmente” atletas e serviços de entretenimento para os seus clientes.

Outro exemplo marcante é o da chamada indústria de turismo, que nos últimos tempos tem sido uma das principais fontes de rendimento de diversos países. Há uma demanda de clientes interessados em novas experiências pessoais e no lazer. Pode considerar-se como “matérias-primas” deste mercado as belezas naturais de um determinado destino, assim como a arte, a cultura, o folclore ou a culinária de um povo ou região. Enfim, empreendedores de diversos segmentos conseguem atender às demandas de seu público-alvo, transformando até mesmo o talento ou a habilidade humana em produtos a serem comercializados.

E o mercado religioso? Este também tem crescido, e alimentado uma florescente “indústria da fé”. De um lado, temos a religião institucional utilizando-se dos elementos do mercado para justificar a funcionalidade pragmática dos seus métodos; do outro, temos os devotos desse ídolo, fundamentando esperanças no acumular das suas dádivas (…). Desse modo, surge uma nova forma de ser e fazer religião que, de facto, se caracteriza como mais um negócio. Há uma demanda subjectiva: a tentativa humana de encontrar, na transcendência, uma resposta para as questões da vida, uma maneira de descobrir um caminho mais fácil e rápido para a solução de problemas e realização de expectativas.

O ser humano é, por natureza, religioso. Ele acede a um campo subjectivo, que o impulsiona para o exercício da fé e à busca de um espaço colectivo onde possa relacionar-se com a divindade. A matéria-prima capaz de atender a essa demanda é a “oração”, os cânticos, as experiências místicas e as manifestações espectaculares, como os “milagres”. “Empresários” religiosos conseguem atender os desejos dos seus “clientes” fornecendo-lhes os produtos da indústria da religião. Da mesma forma que qualquer indústria fabrica um produto final que será comercializado, “empresas” religiosas fabricam respostas para consumo da alma. No mercado, tanto uma como as outras têm a mesma natureza e usam a mesma lógica.

Pela lei da oferta e da procura, que rege o mercado desde os primórdios da civilização, é este mesmo mercado que determina a viabilidade dos empreendimentos. Nos dias de hoje, com o aparecimento de novos mercados, [novos produtos, serviços, etc.] cabe-lhe também, o papel de auto-regulação. Os empreendedores da actividade religiosa e os seus intermediários usam como mediação o nome de Jesus, levando muitos a acreditar que estão de facto seguindo a Cristo. Não percebem que, no fundo, a raiz desse “neocristianismo”, não está efectivamente interessada em buscar ao Senhor Jesus Cristo, nem os compromissos decorrentes do seu Reino, mas apenas procurando interesses exclusivamente materialistas. Os mercadores de espiritualidade fazem do nome de Jesus um mero amuleto.

Nesse relacionamento mercantilista, não faz diferença se o mediador é o Filho de Deus ou um ídolo qualquer – até porque, neste caso, a grande divindade é o capital, a conta bancária, enfim, o vil metal. Contudo transacções de carácter comercial não cabem no Evangelho. Para os servos de Deus, é necessário procurar na experiência com Jesus Cristo e nos exemplos dos primitivos cristãos uma outra matriz, fundamentada na Graça, no amor e serviço aos pobres e marginalizados; enfim, uma opção de serviço e sacrifício pelo bem comum.

A moderna forma mercantilista de praticar uma religião, leva a que muitos não entendam que fazem parte de uma “nova ordem espiritual” regida pelo ídolo do mercado. Uma “divindade” cuja face actual nada mais é, realmente, do que uma maneira nova de fazer coisas velhas. Mas só não percebe isso quem ficou de facto cego pelo deus deste século.

In Revista “Cristianismo Hoje”

(adaptado para português usado em Portugal por Ab-Integro)