domingo, 15 de fevereiro de 2009

Uma Carta para Pérgamo

Do ponto de vista Bíblico, exceptuando no livro de Apocalipse, não existe nenhuma outra referência, quer ao Império, quer à cidade de Pérgamo propriamente dita. Há referências a povoações ou regiões que estiveram integradas no Império de Pérgamo, nomeadamente em actos 14:25, que poderão até estabelecer alguma confusão pela toponímia dos lugares aí referidos ( Atália e Pergue ), mas no entanto nenhuma destas povoações corresponde à cidade de Pérgamo, capital do Império. Naturalmente que Pergue e Atália, terão sido eventualmente inspirados quer no nome da dinastia Atálida, fundadora do Império de Pérgamo, quer na própria cidade de Pérgamo. Porém, estas duas povoações situavam-se na zona sudeste do Império já em território daquela que viria a ser a província romana da Panfília.

Assim sendo, resta-nos ir à história secular para entendermos e contextualizarmos a igreja à qual foi dirigida a 3ª carta de Apocalipse por revelação ao apóstolo João e, a seguir, olhar a igreja de Pérgamo nesse contexto, buscando aí muitas das explicações que precisamos para entender o conteúdo da Carta que lhe é dirigida.

Pérgamo – O Reino e a Cidade

“Uma geração antes da guerra de Tróia, o rei Aleo de Tegea, em terras de Arcádia, recebeu um funesto oráculo : o seu neto matá-lo-ia e governaria em seu lugar. Para evitar o cumprimento da profecia, decidiu consagrar a sua filha Auge à deusa Athena, proibindo-a de se casar, sob pena de a matar. Mas esta sua intenção não foi suficiente para impedir que se cumprisse o oráculo. Um dia , Heracles, que tinha sido acolhido na corte do rei, embriagou-se e forçou a jovem, tendo esta posteriormente dado à luz um filho a quem foi posto o nome de Télefo. O rei Aleo, receoso de que na criança nascida se viesse a cumprir o profetizado, encerrou a mãe e o filho numa caixa e deitou-a ao mar. Graças à protecção de Athena, a caixa encalhou no delta do rio Caicus (Caico), na costa da Ásia Menor, tendo desta forma sido salvos os seus passageiros. Tinham chegado à Mísia. O rei da Mísia, Teutrante, fez de Auge sua esposa e adoptou Télefo como seu filho, sucessor e herdeiro.

Sobre uma imponente montanha de novecentos metros de altura e na vertente direita do rio Caicus ( Caico), a vinte e oito Quilómetros da costa do mar Egeu, começou a ganhar forma uma cidadela que tomou o nome de Pérgamo; nome de origem indo-europeia que quer dizer “alto fortificado”. Os seus habitantes apropriaram-se da lenda de Télefo e passaram a honrá-lo como seu antecessor mitológico. A adopção desta história mitológica, reflecte o carácter claramente Grego do Reino fundado com o nome de Pérgamo ( Télefo é um herói da mitologia grega ) e dava corpo ao desejo de Átalo I , que emprestou o seu nome à dinastia, entretanto surgida dos Atálidas, de converter a sua cidade na Atenas da Ásia Menor, que se tornaria assim defensora da civilização helénica face aos povos bárbaros.

O desejo de Átalo I define a história de todo o seu reinado e explica a intensa promoção das artes, letras e ciências por parte de toda a dinastia Atálida, que fez da cidade de Pérgamo um dos mais importantes núcleos urbanos de toda a Ásia Menor helenística, bem como um centro cultural só superado por Alexandria. Mas para Átalo I, Pérgamo precisava converter-se também no principal centro político da região, objectivo que conseguiu atingir depois dos seus envolvimentos em complexas lutas de poder que se seguiram à morte de Alexandre Magno e do desmembramento e divisão do seu Império pelos seus quatro generais”

Pérgamo não era apenas uma cidade importante, mas também um reino que estendia as suas fronteiras muito para além daquilo a que se viria a chamar “província da Ásia Menor” do Império Romano. “As origens do Reino de Pérgamo remontam provavelmente ao ano de 301 a.C. em que o general Lisímaco lutou pela repartição dos territórios do Império Grego e se apoderou da Trácia e de toda a Ásia Menor estabelecendo em Pérgamo a sede do seu território e guardando aí um imenso tesouro que colocou debaixo da supervisão de um Eunuco Macedónio, Filetero. Este envolveu-se em intrigas de corte e, aproveitando os problemas surgidos entre Lisímaco e Seleuco, sublevou-se após a derrota de Lisímaco às mãos de Seleuco no ano de 281 a.C. E aqui começa oficialmente a história de Pérgamo como reino independente e a expansão da cidade propriamente dita.

Filetero morre e passa o reino ao seu sobrinho Eumenes I. Por razões óbvias, “os Selêucidas tornaram-se os principais adversários políticos do pequeno império de Pérgamo, tendo-se aliado a eles também os Gálatas ( originários da Gália). Com os primeiros, lutaram os reis de Pérgamo para obter a supremacia na Ásia Menor. Com os segundos, para defender os seus domínios e proteger a civilização helénica dos povos bárbaros”.

Os Gálatas conseguiram durante muito tempo submeter populações e territórios integrados no Império de Pérgamo, através do estabelecimento da lei do terror. As populações locais eram obrigadas a pagar-lhes vultuosas quantias para poderem viver em paz. Foi Átalo I, sucessor de Eumenes I quem acabou com o terror dos Gálatas quando acedeu ao trono em 241 a.C.”

Para consolidar o seu poder, Átalo I iniciou contactos com Roma, contactos esses que conduziriam o Império de Pérgamo, ao longo de reinados dos seus sucessores, ao seu apogeu político e territorial, mas também ao seu fim.

Os Romanos aliaram-se com Pérgamo em diversas guerras cuja maior vitória foi contra Antíoco III, rei Selêucida. Em troca do seu apoio a Roma, Pérgamo receberia o território Selêucida a oeste dos montes Tauro. Sob o reinado de Eumenes II, Pérgamo atingiu o seu Apogeu. As suas fronteiras estendiam-se do Mar Egeu até Bitínia, Galácia, Capadócia, para além de cidades estado-independentes tão importantes como Éfeso(…).

As terras de Pérgamo eram férteis. Disso falaram Plínio o velho e Estrabão. Trigo, azeite, vinho, cavalos e ovelhas, mármore, madeira, minas de prata e ouro. Unguentos e perfumes de Sardes. Tecidos bordados a fio de ouro, sapatos e arreios. Enfim toda uma panóplia de matérias e produções que estão refletidas no pórtico do altar de Zeus. A riqueza de Pérgamo era tão fabulosa que Horácio, o grande poeta Grego, utiliza nos seus poemas o termo «Atálico» quando se quer referir a algo que é imensurável.

Monumentais obras arquitectónicas dispostas em «socalco» e em quatro plataformas da Acrópole da cidade de Pérgamo, dominavam aquela. Destacam-se o palácio dos reis, o templo de Athena, a biblioteca (a segunda maior do mundo, por essa altura, a seguir a Alexandria com a qual rivalizava), o Teatro (com capacidade para cerca de 20.0000 espectadores), o templo de Dioniso, o templo de Asclépio, a Ágora superior e o grande altar de Zeus. Descendo da Acrópole, o complexo do «Gimnasium», o maior e mais completo da antiguidade.

Já no período de domínio Romano , foi construído um templo dedicado a Augusto e á religião do estado. Também no período Romano e, segundo Plutarco, depois do incêndio na biblioteca de Alexandria, que praticamente a reduziu a cinzas, António, o lugar-tenente de Augusto para o Império do Oriente, e que viria a tornar-se seu opositor, querendo ele próprio tornar-se independente no Oriente, aliado a Cleópatra, ofereceu à sua amante ( Cleópatra ) a biblioteca de Pérgamo para a compensar da perda de Alexandria. Este facto teve como consequência a instauração de rivalidades que levou a que a dinastia dos Ptolomeus , no Egipto, proibisse a exportação de papiro para Pérgamo. Tal acontecimento forçou os Pergamenos a “inventar” um novo suporte para a escrita com base em peles de animais devidamente tratadas e preparadas em rolos : o “PERGAMINHO” . Este revelou ter uma vantagem grande sobre o papiro: podia ser

raspado e de novo escrito ( embora isto viesse a criar outro tipo de problemas pois muitas vezes a escrita antiga e raspada entretanto para que se pudesse escrever de novo, como que reverdecia, fazendo-se notar claramente por debaixo da nova escrita, dando muitas vezes lugar a confusões e origem a discussões sobre se eventualmente se estaria na presença de códigos secretos.

No reinado de Átalo III, por causas não conhecidas de todo, este legou em 133 a.C. o seu Império aos Romanos, com excepção da cidade. Aristónico, filho bastardo de Eumenes II, não gostou da decisão e proclamou-se Rei de um estado com o nome de Heliópolis ( cidade do Sol ) prometendo igualdade para todos os cidadãos. Procurou aliados contra os Romanos (Bitínia, Ponto, Capadócia e algumas cidades autónomas seguiram-no ).” Os Romanos, contudo, não gostaram desta sublevação e sufocaram-na, fazendo depois da cidade de Pérgamo capital administrativa daquilo que passou a chamar-se Província da Ásia Menor, e que viria a abrir as portas para as restantes conquistas Romanas no Oriente.

“ O prestígio do Reino de Pérgamo, não se extinguiu com a morte de Atálo III. Já durante a época Imperial Romana, conheceu um período ( o último) de explendor, quando gentes de todos os lados procuravam as suas escolas de Retórica e particularmente de Medicina, esta relacionada com o deus Asclépio ( Esculápio para os Romanos ), o deus que tinha “solução” para todos os males físicos. Aí pontificou Galeno, cujos conhecimentos e experiências científicas no corpo humano e animais, foram a base da medicina, até para além , um pouco, da idade média. Porventura, Galeno, foi mais importante para a Medicina do que Hipócrates.