quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Segurar o Tempo

“Acordo, saio em busca do que não sei, quero o que muitas vezes não tenho a menor idéia. Meu desejo não é profano, embora terreno. Basta-me sossegar a alma, abafar a pressa. Quero tirar o elmo, encostar a espada, desabotoar o colarinho.

Caminho com sofreguidão. Distancio-me da persona que me representa pelas plataformas públicas. Quebro as fôrmas que me moldam às expectativas alheias. Desaprendo as lições que eu mesmo ensinei.

Descubro-me e reinvento-me. Perco-me na montanha de fantasias que espalhei pelo chão. Hermético, não faço sentido no que escrevo. As palavras, signos de minhas frágeis intuições, são falhas. Recorro às platitudes. Talvez o óbvio me ajude a expressar o que sinto.

Costuro o coração com os retalhos esgarçados do passado. Dos ideais, sobraram remendos rotos; dos sonhos juvenis, estilhaços; da luta incansável, o gosto amargo da decepção. Surpreendo-me protegendo as costas de novas estocadas. Encaliçado pela dor, rejeito a mão que me afaga. Suspeito que um elogio antecipe a cuspida.

Deito-me fatigado. Imagino que um dia não voltarei a me encostar no travesseiro. Angustio-me, sentirei saudade dos cheiros que colorem a minha memória. Quero segurar o tempo. Não, não temo o crepúsculo da velhice. Mas distanciar-me dos amores é sobrecarga demais. Estou certo, vou sobrar em uma mesa rodeada de cadeiras vazias.

No fim do caminho espetaram uma cruz cuja sombra se projeta sobre mim. Contudo, não desistirei da senda estreita. Determinado, também subo o Calvário. Um Homem me precedeu ali e sua grandeza me encoraja. Sigo os seus passos.”

Soli Deo Gloria.

A sombra no caminho Ricardo Gondim