O panorama sociológico de Portugal, na semana que hoje termina, foi "riquíssimo" no plano daquilo com que nós, portugueses, mais gostamos de nos entreter: a baixa política, a intriga, e a "cusquice" social. Até aí nada de novo, já porque são temas que normalmente dominam a nossa triste realidade.
Eu, e provavelmente mais uns milhões de portugueses, não acreditamos na maioria dos políticos da nossa praça, até porque, na generalidade, nunca nos deram razões para que o contrário acontecesse. Políticos sérios, no pós 25 de Abril de 1974, podem contar-se pelos dedos de uma só mão e, provavelmente, ainda sobrariam dedos. Só o estoicismo do povo português e a sua crença de que as coisas podem vir a ficar melhores, permitem que as sucessivas eleições não registem níveis de abstenção substancialmente mais elevados.
A qualidade dos políticos que ocupam orgãos de poder em Portugal é confrangedora e só aqui é possível eles ocuparem esses orgãos. O senhor presidente do governo regional da região autónoma da Madeira, para além de se constituir, em minha opinião, num caso de estudo, face à sua permanência à frente do dito governo ( e não ponho em causa a legitimidade democrática dessa permanência ), ao sair da reunião do Conselho de Estado realizado esta semana, despediu-se dos jornalistas com a frase, duas vezes repetida, ( aparentemente "enigmática" ), "bom carnaval". Claro que quem conhece a personagem não achou que a frase fosse inocente, bem longe disso, afigura-se até provocatória, a roçar o desprezo com que olha para o país, pelo menos o continental, mesmo sendo este que, genericamente, mais contribui, como é aliás sua obrigação, para o desenvolvimento da Madeira, tendo mesmo já feito com que ela se assumisse como a segunda região com o rendimento per capita mais elevado, logo a seguir à região de Lisboa e Vale do Tejo. Ele sabia muito bem o que se tinha passado no interior do conselho e o que iria passar-se a seguir ao mesmo, à volta da lei das finanças regionais. Viajou para a Madeira, com o mesmo sentimento de missão cumprida, que um pirómano sente depois de deitar fogo à floresta e se postar , à distância, a contemplar as labaredas que a devoram e a azáfama dos bombeiros afadigados na sua extinção, numa luta quase inglória.
Não quero aqui tomar partido sobre quem tem razão acerca da aprovação ou não aprovação da lei das finanças regionais, bem como de todas as questões anteriores ou ulteriores que estão na base da mesma. Confesso que até acho que isso são pormenores de somenos. Agora não me parece francamente aceitável que o governo português dê para o exterior sinais de que está a aumentar a despesa quando aquilo que lhe pedem é que a diminua drasticamente. Quando todos os portugueses são confrontados com um aperto orçamental que não deixa espaço de manobra para nenhuma despesa que agrave ainda mais o famoso défice fiscal, com as consequências internas e externas a que isso pode levar, e que todos conhecemos, não se podem dar sinais contraditórios a quem nos tem sob mira e está com o dedo no gatilho pronto a disparar a qualquer momento, ainda por cima se identificamos o nervosismo dessa gente e a facilidade do disparo contra os pequenos países ou mesmo médios países. É que, franco-atiradores económicos, pelos vistos, abundam por esse mundo fora, e nem mesmo Durão Barroso parece revelar capacidade ( ou vontade ?!? ) de os impedir.
Chega-nos a notícia, pela oposição ( de esquerda e de direita ) ao governo, de que o que está em causa são apenas 50 milhões de euros e de que isso representaria uma percentagem infimamente pequena do orçamento do ano corrente. Diz a oposição não perceber porque é que o governo dramatiza tanto por causa de uns escassos 50 milhões. Há qualquer coisa aqui que eu não entendo sobre quem é que dramatiza o quê: então mas os cinquenta milhões não têm o mesmo valor para a oposição e para o governo?! Admitindo que o governo até possa estar a dramatizar o assunto por não querer gastar, resta ainda a questão: se a oposição acha que cinquenta milhões não reprentam nada, em termos de impacto no nosso fragilizado orçamento, porque se preocupa tanto com eles ?! Se afinal até desvaloriza a sua importância, reduzindo o assunto a quase "peanuts", não faria melhor figura se chegasse a acordo com o governo, deixando "morrer" uma questão "tão pouco relevante", ou quiçá, colocando-a daqui por um ou dois anos, quando tudo já estivesse mais serenado em termos económicos e as condições fossem mais favoráveis ?!
Aquilo que eu sei, e que não é muita coisa, é que não devemos continuar a fornecer motivos aos franco-atiradores económicos para que disparem contra as nossas finanças e a nossa sustentabilidade económico-social, tornando ainda mais difícil as condições de vida "neste país que não se governa nem se deixa governar". O estado da nação, no ano em que se comemora o centenário da República, está cada vez mais parecido com a triste realidade que foi a 1ª república em Portugal e faz lembrar o adágio popular que diz que "casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão".
Entretanto, algures na Madeira, no cómodo sofá da sua sala, à lareira, com o pijama já vestido, a olhar os noticiários nos canais de televisão, por entre baforadas de fumo do seu charuto cubano, o sr. presidente do governo da região autónoma da Madeira, ri-se a bandeiras depregadas a assistir ao "carnaval" instalado no continente.
Entendam-se, por favor, a bem da nação.
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Jacinto Lourenço