Não conheço integralmente o passado de Nelson Mandela mais do que aquilo que a generalidade das pessoas conhece. Sei que foi um lutador contra o regime do Apartheid, na África do Sul, o seu país, integrado num movimento de libertação que, como tantos outros, lutou contra o colonialismo branco em África. O racismo Sul-Africano, a diferenciação dos direitos dos cidadãos baseada na cor da pele de cada um, tornaram-se na pedra de toque dessa luta.
No fundamental, esta foi a razão pela qual Mandela esteve preso durante 27 anos, usufruindo, apesar de tudo, da “benovolência” do regime que lhe comutou a pena de morte para prisão perpétua.
A prisão perpétua a que fora condenado terminou fez este mês de Fevereiro 20 anos. Nelson Mandela tornou-se um ícone da liberdade de todos os tempos. O seu papel na África do Sul foi determinante e, creio, teve uma influência decisiva no desenrolar da vida política de outros regimes Africanos.
Não sei se Mandela é cristão, muçulmano, ou praticante de um qualquer rito místico e religioso dos muitos em que África é rica, mas neste momento isso não é o mais importante para mim. O que me interessa, por agora, é olhar para o seu comportamento, a sua vida enquanto exemplo para os homens seus contemporâneos, bem como a sua acção, absolutamente determinante, do ponto de vista político e social. Mandela será sempre um líder de que a história irá falar ao longo dos tempos.
Após 27 anos preso, muitos pensavam que, ao ser libertado, o desejo de vingança pela opressão injustamente sofrida fosse determinante na sua actuação. Desiludiram-se os que contavam com isso para atacar o regime branco e eventualmente criar um Zimbabué em grande escala.
Não é fácil perdoar quando se está preso injustamente quase três décadas. Mas foi isso que Mandela fez, ao sair da prisão. E só isso permitiu que a África do Sul se erga como uma grande potência regional capaz de falar em nome de uma África multiracial e multicultural, mesmo com todas as suas reconhecidas actuais fragilidades.
O perdão compensa, especialmente se pretendemos construir alguma coisa. A humildade também, mesmo se ela vem de quem tem o poder absoluto e o poderia ter continuado a exercer descricionariamente, como foi o caso de Frederik de Klerk que, ao ser eleito em 1990, optou pela libertação de Mandela , pela legalização dos partidos políticos e dos sindicatos, mostrando um espírito verdadeiramente temerário, especialmente se tivermos em conta as ameaças que enfrentava de todos os lados, nomeadamente dos afrikaners, para os quais passou a simbolizar "o supremo traidor".
A pacificação e a integração nunca se faz com ódio. Um país, uma nação, um povo, ou mesmo uma igreja ou uma pessoa, jamais crescerão e se desenvolverão com raízes de medo, de desconfiança ou amargas recordações feitas de chagas purulentas. O perdão mútuo e a humildade são atributos que só cabem no coração de quem reconhece e admite os seus próprios erros e é capaz de olhar para o passado sem ressentimentos doentios. É este capítulo que os cristãos do nosso tempo têm que rever à luz do que Cristo espera de nós. Ao perdão e à humildade, juntaremos o Amor e a Graça com os quais se constrói a Obra do Senhor e se institui o Reino de Deus, tudo o resto não passa de teorização inútil e nefasta.
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Jacinto Lourenço