domingo, 7 de fevereiro de 2010

TEATRO EVANGÉLICO - UM MINISTÉRIO METALINGUÍSTICO

Está enganado aquele que tenta desentender o teatro evangélico como outra coisa que não uma arte apta a veicular a mensagem bíblica, através da estética das palavras e da representação.

Não se trata de exacerbação experimentalista, pelo contrário, entendemos que a arte dramática é um ministério metalinguístico com um código de comunicação variado. Pode ir e vai além mesmo da linguagem corrente, tratando dos dramas e conflitos humanos.

No Velho Testamento, a encenação, a representação e as palavras dramatizadas são tão antigas quanto a poesia hebraica.

As encenações seguintes, ambas determinadas pelo Senhor ao profeta Ezequiel, são, por assim dizer, um script de experiências onde se estrutura uma tese - o chamado miolo da acção -, como sinais de aviso a Israel sobre o cativeiro:

«Tu, pois, ò filho do homem, toma um tijolo, põe-no diante de ti, e grava nele a cidade de Jerusalém. Põe cerco contra ela, edifica contra ela fortificações, levanta contra ela trincheiras e põe contra ela arraiais, e aríetes em redor.» -Ezequiel,4,1-2

«Tu, pois, ó filho do homem, prepara a bagagem de exílio, e de dia sai, à vista deles, para o exílio; e do lugar onde estás parte para outro lugar à vista deles. À vista deles, pois, traze para a rua, de dia, a tua bagagem de exílio; depois, à tarde sairás, à vista deles, como quem vai para o exílio.

Abre um buraco na parede, à vista deles, e sai por ali.» - 12, 3-5

O arco do proscénio, sob o qual na velha Europa e na terra de Shakespeare

se representavam as palavras, através da voz, do corpo, da acção, não era necessariamente lugar de pecado. Para o teatro evangélico não o é seguramente, e agora mesmo, nos nossos dias, os palcos para a representação de peças cristãs são abertos, são a própria rua, muitas vezes, são a própria tribuna donde se prega a Palavra de Deus.

O nosso teatro, a nossa maneira de expressarmos com arte o Evangelho, pode abandonar - como alguém escreveu - «a escuridão dos cenários e penetrar na luz do Sol - perante palácios, nos adros das igrejas, nos largos das aldeias, nas colinas», sendo que o que é válido para o teatro dito secular, «mundano», pode e dever ser mais válido ainda para o teatro de conteúdo cristão.

As peças dramáticas cristãs, com base nos quadros bíblicos e veiculando mensagens para os dias hodiernos, não são frívolas, nem para diversão. São para fazer pensar e para ajudar a mudar vidas, seja na vertente do chamado teatro de época (bíblica, do Velho e do Novo Testamentos), seja sob a forma da representação da vida moderna. São uma das mais poderosas ferramentas de evangelização que levam a vivenciar situações, factos, personagens - é o que nos diz um dos mais recentes manuais do género, editado no Brasil pela Hagnos, «O Ministério do Teatro II ».

Claro que tal visão do uso de meios como a arte cénica, terá a ver, também, com o desenvolvimento cultural da comunidade, da sociedade e do país.

Se recorrermos ao mais completo meio de pesquisa dos nossos dias, aos chamados directórios ou motores de busca de sites na Internet sobre o tema em apreço, «teatro evangélico », verificaremos que existe uma multiplicidade de oferta neste domínio. As informações sobre companhias de teatro cristão aptas a trabalharem em liceus, igrejas e conferências, como um ministério instituído, designadamente nos Estados Unidos da América, são vastíssimas.

Mas não só. As artes de representação cristãs, a reintrodução de uma cultura cristã evangélica no meio de uma sociedade secularizada e materialista, estendem-se do Reino Unido à Australia, tocam pontos tão díspares como Tauranga, na Nova Zelandia, e Vancouver, no Canadá.

Em português também. Movimentos evangélicos do Brasil utilizam os grupos de arte dramática e musical como meio para proclamarem o Evangelho e a dimensão da vida cristã evangélica.

No âmbito da literatura com intuitos esclarecedores e pedagógicos sobre este ministério tão específico, as artes teatrais como meio de evangelizar, há contudo uma preocupação, ajudar a que não se confunda teatro evangélico com teatro religioso. E aqui as capacidades de discernimento espiritual dos utilizadores devem estar alerta, para uma triagem do que é proclamação evangelística, através da arte, e do que é mera forma de idolatria encenada.

Em «Teatro Evangélico-Um Desafio à Criatividade », um livro não muito denso (110 páginas ) da autoria de Cilene Guedes de Souza, podemos ler uma útil clarificação do ponto acima aflorado: «Mas não se confunda teatro evangélico com teatro religioso. Teatro e religião frequentemente aparecem associados ao longo da história. Os gregos faziam verdadeiros festivais para cultuar Dionísios. Na Idade Média, a igreja usou teatro para popularizar os ensinamentos bíblicos. Os jesuítas catequizavam, também, através da encenação. » Até ao século XV o teatro europeu viveu dos clássicos e do religioso, com espectáculos religiosos, só depois começou as primeiras tentativas de teatro profano. Asseverou-se então que o profano tomara o teatro contra o religioso por tomar contacto com a realidade e a vida.

Todavia, é incontornável hoje, no século XXI, com várias linguagens à disposição do homem, que a escrita religiosa ou evangélica, no teatro, como na ficção ou na poesia, parte da vida e da realidade, no intuito de transformar ambas com o Poder do Evangelho de Jesus Cristo.

Do ponto de vista da escrita para teatro evangélico, há uma reclamação unânime: «faltam textos evangélicos », isto é, não existe uma dramaturgia cristã séria e que aborde temas sérios numa linguagem coloquial, mas ritmica, que confronte os problemas do homem pós-moderno, o qual se reivindica de um ateísmo intelectual bem mais do que religioso.

Como também não há entre nós uma tradição de boas encenações para bons textos dramatúrgicos.

Existem, no entanto, belíssimas intenções e já algumas práticas conducentes da promessa de bom teatro evangélico. É, sem dúvida, o caso de um guia de apoio para o encenador cristão da autoria de Samuel Esteves. Este autor, ao reconhecer que é fácil fazer teatro - título do seu livro, editado pelo Núcleo em 2002 -, transportou para o campo da pedagogia esse seu reconhecimento, assim lemos desde «dicas para encenar uma peça», «notas de apoio ao encenador » até 12 peças que podem ser montadas com proveito para as igrejas.

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João Tomaz Parreira

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- Colaborador -