Vejo as imagens na televisão e as fotos nos jornais e quase me recuso a acreditar no surrealismo que transmitem. É um cenário imenso de destruição. Nunca vi nada de comparável nos dias da minha vida e em escala tão intensa. Olho e quase me apetece não acreditar.
Estive por duas vezes na ilha da Madeira; a primeira aquando da minha lua de mel, em 1979. Cativou-me a ilha, nessa altura, pela sua luxuriante beleza verde emuldurada por um imenso azul marinho ao largo, fosse qual fosse a perspectiva do lugar elevado onde estivéssemos. Todos os lugares, aldeias e vilas que percorri então repassavam exotismo percepcionado sensorialmente a cada instante e recanto. Funchal era uma cidade lindíssima já nessa altura. No conjunto, a Madeira era quase um verdadeiro Éden que a mão humana não havia ainda comprometido. As pessoas, simples , muito afáveis, mas algo pobres e um pouco fechadas.
Voltei cerca de vinte e quatro anos depois. A Madeira tinha então perdido já o seu ar paradísiaco mas ganhara em desenvolvimento turístico e em infra-estruturas que a transformaram num dos principais destinos turísticos mundiais. Cruzar a ilha através das modernas estradas e vias rápidas que rasgaram até as entranhas da terra, tornara tudo muito mais rápido e menos cansativo, mas o encanto das viagens, por vezes algo temerárias, pelas estradas sinuosas, estreitas, bordejadas por um multicolorido jardim florido, perdera-se, e também o encanto da Camacha que eu conhecera em 79. A Madeira é, tal como a conheci há meia dúzia de anos atrás, uma região cosmopolita que se superou a si própria e superou a generalidade do país em qualidade e sustentabilidade de vida quer para quem lá está permanentemente ou de passagem. Ganhou outros motivos de interesse e atractivos que compensaram o que porventura tenha perdido, em termos paisagísticos, com o processo de desenvolvimento.
Entre a ilha que conheci em 1979 e a de data muito mais recente, fico indeciso no apontar da minha preferência. Mas há uma coisa que eu sei: quando a Madeira se reerguer desta tragédia que a devastou, vou gostar ainda mais de lá ir e ver, também, a par da sua beleza única e singular, a força e coragem com que os Madeirenses lutarão para ultrapassar o cataclismo que os atingiu em Fevereiro de 2010.
Vejo as imagens em toda a sua brutalidade e os olhos humedecem-se-me, por tudo o que foi destruido em termos de vidas humanas e de paisagem natural e a criada pelo labor esforçado de gerações e que fizeram a ilha merecedora do epíteto de Pérola do Atlântico.
Quando voltar à Madeira, irei seguramente encontrá-la muito mais bela, mesmo sabendo que essa beleza se construiu na dor do que esta catástrofe consumiu. Até lá, deixo o meu abraço solidário e a ajuda que me é possível, juntas com o desejo de que todos os Madeirenses e portugueses em geral, sem distinção política, social ou religiosa, saibam unir-se, de mãos dadas e lado a lado, na reconstrução necessária.
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Jacinto Lourenço