quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Jesus e o Império

O cristianismo tem uma relação muito peculiar com o Império Romano. Qualquer leitor atento do Novo Testamento perceberá a presença marcante de Roma e sua influência, seja para o bem ou para o mal, na vida dos cristãos e nas primeiras comunidades de fé. Na verdade, um pouco antes de Jesus nascer, no ano de 63 a.C. o general Pompeu subjugou a Palestina e estendeu ao Médio Oriente os territórios do império fundado no século VIII a.C. Os judeus, mais uma vez, estavam nas mãos de conquistadores estrangeiros e foi nesse cenário que o Filho do Homem veio ao mundo, sob governo do imperador Augusto. +
Os primeiros momentos da vida de Jesus foram marcados pela perseguição implacável de um governador investido de poder romano. De acordo com Mateus 2.16-18, foi um governante romano da Palestina, Herodes, o Grande, quem ordenou a matança dos infantes de Belém na expectativa de impedir o aparecimento do messias dos judeus conforme anunciavam os profetas e os magos do Oriente. Os pais de Jesus tiveram que fugir rapidamente para o Egipto sob ordem angelical - "Herodes há-de procurar o menino para matá-lo" (Mateus 2:13-14). +
Não obstante, a vida adulta de Jesus também foi marcada pela presença do Império. Lemos constantemente nas narrativas evangélicas alguns encontros épicos entre o poderoso sistema e o aparentemente fraco mestre da Galiléia. Jesus não se revoltou contra César e nunca intentou subverter politicamente as estruturas de poder dos romanos. Ele inclusive tinha muitos amigos judeus que trabalhavam para Roma, os chamados publicanos, considerados como traidores pelos seus pares; aliás, um dos seus discípulos mais importantes, de nome Levi, fora um deles. Consta nos relatos sobre Jesus uma cura impressionante envolvendo um militar romano (centurião) e seu servo que estava a beira da morte. Noutra ocasião, afirmou a validade da autoridade do Império Romano quando disse "dêem a César o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus" (Mateus 22.21). Fica claro, portanto, que nos Evangelhos a luta de Jesus era pelo controlo dos corações dos homens. Sua saga envolvia destronar o governo do mal alojado na interioridade da alma humana, algo muito mais divino do que simplesmente estabelecer uma nova ordem política. Como ele mesmo respondeu ao prefeito romano da Judéia, Pôncio Pilatos, quando interpelado sobre as suas intenções políticas "o meu reino não é deste mundo" (João 18.36). Obviamente, como veremos adiante, o movimento iniciado por Jesus, apesar de natureza pacífica, acabou se tornando uma pedra no sapato de Roma. +
Analisando o terrível fim da vida terrena de Jesus, executado brutalmente por Roma ao lado de dois criminosos, fica difícil imaginar como seus covardes e temerosos discípulos prosseguiriam com a agenda proclamatória do Reino de Deus iniciada por seu mestre. Estamos falando de um pequeno grupo de simples judeus iletrados, guiados por um jovem rabino da Galiléia que fora crucificado como um bandido sob autoridade romana, quando tinha apenas três anos de actividade peripatética. Historicamente falando, todas as circunstâncias apontavam para um fim precoce e desastroso do novo movimento iniciado por Jesus. Como um grupo tão frágil permaneceria diante de uma potência mundial como Roma afirmando a existência de um Reino superior ao de César? Um evento supostamente ocorrido numa manhã de domingo, após a crucificação, mudou a história para sempre. +
Deste evento em diante, os seguidores do Crucificado passaram a chamá-lo de Kyrios (gr. Senhor) afirmando que ele estava vivo e que voltaria para julgar as acções dos homens, inclusive dos poderosos de Roma. O mundo nunca mais foi o mesmo e nem mesmo as mais trágicas perseguições imperiais foram capazes de extinguir o crescimento numérico dos cristãos. Na opinião de J.L. Hurlbut "ao findar o período das perseguições, a Igreja era suficientemente numerosa para constituir a instituição mais poderosa do império". Em pouco tempo (visto da perspectiva histórica) os cristãos se alastraram por todo território do império romano e sob as maiores adversidades possíveis declaravam que debaixo do senhorio do Rei dos Reis "não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gálatas 3.28).
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