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Adormecemos ontem e acordámos hoje com os mesmos sons da crise. O governo a meter-nos medo e as oposições a desejarem o "pote". Os portugueses, falo do povo, já venceram outras crises anteriores, já ultrapassaram medos sem sentido, já foram onde outros mais poderosos não arriscaram porque talvez lhes tivesse faltado a chama ou a audácia para irem. Já abriram mundos. É por isso que esta crise não passa de mais uma que teremos que vencer mesmo se não a provocámos. Crises, afinal, são oportunidades, mesmo que os trajectos sejam dolorosos e difíceis.
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Eu acredito nos portugueses, no povo, e na sua capacidade de enfrentar os medos e superar os "monstros" que se agitam e esbracejam prontos para nos devorarem nos altares profanos da política mesquinha. É por isso que hoje publico este poema de Pessoa. Afinal, "O sonho [ dos portugueses ] é ver as formas invisíveis".
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JL
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Ó mar anterior a nós, teus medos
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Tinham coral e praias e arvoredos.
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Desvendadas a noite e a cerração,
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As tormentas passadas e o mistério,
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Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
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Splendia sobre as naus da iniciação.
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Linha severa da longínqua costa -
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Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
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Em árvores onde o Longe nada tinha;
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Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
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E, no desembarcar, há aves, flores,
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Onde era só, de longe a abstracta linha.
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O sonho é ver as formas invisíveis
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Da distância imprecisa, e, com sensíveis
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Movimentos da esp’rança e da vontade,
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Buscar na linha fria do horizonte
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A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
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Os beijos merecidos da Verdade.
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Fernando Pessoa in Mensagem