Assisti ontem à noite à entrevista de Fátima Campos Ferreira a Belmiro de Azevedo. Por razões que não vêm para o caso, Belmiro de Azevedo não colhe a minha particular simpatia, embora não deixe de reconhecer o seu potencial empresarial.
O patrão da Sonae, ninguém o pode negar, possui a visão, razoavelmente correcta, sobre aquilo de que Portugal precisaria neste momento, e no futuro, para o seu desenvolvimento e nisso recebe o apoio de pessoas a quem basta o senso-comum para chegar às mesmas conclusões.
As adesões de Portugal e Espanha à então CEE deram-se ao mesmo tempo em 1986 e foi interessante ver como os dois países evoluiram genericamente, desde então, nos sectores primários da economia.
Portugal recebeu dinheiro para reformular a sua agricultura e este foi entregue aos grandes e médios agricultores que trataram de o aplicar em belos montes e propriedades rústicas, especialmente no centro e sul do país, a que juntaram jeeps de última geração. Entretanto as terras ficaram ao abandono ou rodeadas de cercas para onde se soltaram umas manadas de gado que apresentavam uma rentabilidade económica muito mais rápida do que a agricultura, um risco muito menor do investimento, e custos infinitamente mais reduzidos com mão de obra quando comparados com os aplicados à produção agrícola.
A Espanha recebeu dinheiro para desenvover a agricultura e transformou-se num dos maiores produtores mundiais de fruto-hortícolas, desistindo das culturas cerealíferas de sequeiro em extensão muito mais viáveis estas noutros países da europa central.
Portugal recebeu dinheiro para aplicar na modernização da sua indústria e o que fez foi distribui-lo pelos grandes empresários para que estes fechassem fábricas umas atrás das outras em lugar de as reconverterem como era suposto. PEDIP's e Fundos Sociais Europeus foram autênticos sacos azuis para onde o dinheiro da CEE foi desviado. Pintavam-se umas paredes de fresco, compravam-se uns computadores, faziam-se umas formações de fachada, e assim se justificaram, durante anos, os fundos entregues aos industriais. Na verdade as fábricas fechavam pouco e as formações profissionais dadas às pessoas em doses "para cavalo" para pouco ou nada serviam para a melhoria dos seus desempenhos uma vez que os meios de produção continuavam obsoletos e a gestão das empresas tinha sempre como obectivo último as contas bancárias dos administradores ou accionistas maioritários. Os industriais e os seus amigos próximos, bem como outros quadros dirigentes, salvo raras excepções, passeavam-se em automóveis de gama alta e jogavam golfe uns com os outros, enquanto o dinheiro continuava a escorrer placidamente para os seus bolsos. O rasto das fraudes cometidas com os fundos comunitários são ainda hoje uma herança chocante e vergonhosa de anos relativamente recentes.
Espanha recebeu fundos comunitários para a reconversão da sua indústria e tornou-se numa das principais potências industriais na europa e no mundo.
Portugal recebeu dinheiro comunitário para reconverter a sua frota pesqueira e este foi entregue aos armadores para abaterem os barcos existentes não os fazendo substituir por outros mais adequados ao tipo de pesca que havia para praticar e as pescas são aquilo que são em Portugal, para prejuízo evidente do país e dos pescadores que mal conseguem sustentar-se e às suas famílias.
Espanha recebeu igualmente fundos comunitários para a reconversão das suas pescas e construiu, quiçá, uma das principais frotas pesqueiras mundiais. Muito do peixe que hoje consumimos em Portugal é pescado por espanhóis, eventualmente em águas portuguesas.
O que é que ficou afinal, o que é que Portugal fez com os biliões que recebeu de fundos estruturais para recuperar do seu histórico e endémico atraso face aos parceiros europeus mais desenvolvidos, sim, porque era para isso que o dinheiro era enviado de Bruxelas para Lisboa ?! Há sim, pois, construimos as auto-estradas que iremos andar eternamente a pagar com língua de palmo enquanto o mundo for mundo... Mas aqui ao lado, em Espanha, também os construiram, para além de terem feito tudo o resto que nós fomos incapazes de fazer. Talvez porque achávamos que a partir da adesão à CEE íamos andar o resto da vida a ser sustentados pelos mesmos que agora se fartaram de nós e vêm, qual cobrador do fraque dizer que chegou o momento de pagar a factura da incompetência, corrupção e indolência nacional alimentadas por gerações de políticos falaciosos, amigos dos seus amigos, e empresários corruptos ou, no mínimo, demasiado espertos em artes de prestidigitação no que concerne a fazer desaparecer os fundos comunitários de forma a deixarem poucas marcas da sua trajectória; mas claro que tudo isso só podia ter sido feito com a cumplicidade camuflada dos dirigentes políticos.
Perante isto, eu só posso concordar que os tecnocratas da União Europeia têm razão para exigirem condições rígidas na hora de colocar mais uns biliões na mão dos políticos portugueses; eles não são confiáveis e, para além do mais, até para a paciência há limites.
Qual é a solução para Portugal ? Simples, no meu entender: reconstruir tudo aquilo que se destruiu em 37 anos de demência colectiva. Indústria, Agricultura, Pescas. Quantos anos é que isso vai demorar ? Provavelmente muitos, mas pelo menos teremos ousado reconhecer que os "almoços nunca são grátis" e que se quisermos atingir alguma coisa teremos que lutar por ela, e quanto mais cedo pusermos mão à obra melhor, não esquecendo de varrer dos orgãos de poder todos aqueles, partidos e políticos ( muitos ainda circulam por aí ) que nos conduziram a esta situação.
Jacinto Lourenço