Se há dia que eu considero, até por razões pessoais, que deva ser celebrado, é o "Dia dos Avós", e por duas ou três questões fundamentais.
Vive-se hoje numa sociedade em que o papel da família tende a esbater-se. Em que pai e mãe trabalham, ( quando trabalham...) e em que os avós, ao invés de serem encarados como elementos enraízadores da família, são antes vistos como um peso que se despeja num qualquer lar ao virar da esquina, sendo que as razões economicistas da escolha desse lar se sobrepõem às razões de qualidade de vida e humanidade com que os idosos devem ser tratados. Todos os dias os meios de comunicação nos dão notícia do desprezo e ausência de sensibilidade humana mínima a que são votados muitos idosos, quer por quem os acolhe, quer pelas famílias que se "esquecem", literalmente, dos seus familiares, passando-se por vezes anos sem que os visitem nos lares de acolhimento, e havendo mesmo milhares de casos conhecidos em que familiares internam nos hospitais do estado os seus idosos com o claro objectivo de nunca mais de lá os quererem retirar. É dramático e chocante, e diria até, criminoso, assistir a isto.
Não quero nem devo iludir o facto de que em muitos casos os filhos não têm outra alternativa ao internamento dos pais em lares. Mas se têm que o fazer, devem fazê-lo com a dignidade, humanidade e respeito que aqueles merecem, quanto mais não seja, porque se sacrificaram, ao longo de uma vida, por proporcionar aos filhos a qualidade de vida e educação que eles próprios, na maioria dos casos, nunca tiveram. Felizmente, identifico muitos casos em que filhos e famílias cuidam e integram no seio familiar, de maneira extremosa, os seus pais e avós, bem como lares que são, independentemente dos preços cobrados, escolas de humanidade.
Há umas décadas atrás, os idosos eram encarados como um valor importante no seio familiar. Um esteio, um factor de transmissão de valores, padrões de vida e conhecimentos; elementos cuidadores e ensinadores das gerações mais jovens. Nas sociedades mais primitivas sempre houve esse olhar sobre os mais velhos. Nas sociedades modernas parece que, afinal, nada disso é já importante e os idosos são olhados como desnecessários e completamente descartáveis.
A minha experiência pessoal é a de quem foi criado e educado pelos avós a partir dos seis anos de idade. Dou graças a Deus porque o amor que os meus avós e a minha família me dedicaram, não permitiu que eu sentisse grandemente a ausência dos pais. Foi-me consagrado pelos meus avós, o mesmo amor e cuidado que já tinham dedicado aos seus filhos. Numa determinada altura, eu senti-me mesmo como um pequeno "príncipe" no meio de tantos cuidados e afectos que me eram dispensados. Devo muito aos meus avós. Sei que a sua vida teria sido um pouco diferente se não tivessem que, depois de criados sete filhos, terem que criar e educar ainda um neto. Não me consta que alguma vez se tenham queixado desse facto. E tenho a certeza de que muitas vezes tiveram razões para isso, em especial porque o seu relacionamento, em busca do melhor para mim, com os meus pais, não foi fácil, ou mesmo porque a minha entrada na adolescência e fase inicial da juventude também lhes não facilitou a vida.
Dos meus avós, não me lembro de alguma vez ter recebido um açoite ( e se recebesse teria sido provavelmente merecido, porque como também diz o adágio, "quem dá o pão, dá a educação" ), apenas cuidado e carinho. Lamento que tivessem partido cedo, que eu não tivesse usufruido, por mais tempo, da sua companhia.
Não me lembro de quantos brinquedos me compraram, provavelmente poucos - na minha geração as crianças eram, na generalidade, quem fabricava os seus próprios brinquedos - mas lembro o amor que me dedicaram, os meus avós, enquanto viveram.
Hoje, na certeza de que os avós devem voltar a ser encarados como um valor seguro de enraizamento familiar e como cuidadores preferenciais dos netos, deixo aqui esta homenagem pública aos meus avós maternos, Gertrudes Serra e José Lourenço, e a tudo aquilo que ao fim de muitos anos ainda representam para mim, mesmo estando ausentes fisicamente.
Jacinto Lourenço