segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A Senhora Ministra...

( Elsa Fornero )

Estou habituado a que estas conferências de imprensa sejam simples, rápidas e secas como secos são normalmente os políticos que vêm aos meios de comunicação anunciar os cortes dramáticos e estúpidos nos salários e direitos dos trabalhadores e das classes médias em geral. Normalmente quando os anunciam não deixam transparecer emoção, preferem antes o registo deixado numa voz grave e solene envolta em palavras gélidas que não traduzem qualquer  margem para dúvidas quanto aos estragos previsíveis que causarão. Dizem-nos que os sacrifícios pedidos são sempre para o bem do país e do povo ( na boca de um político da nossa praça, "país" e "povo" são conceitos que  saem quase sempre transparentemente abstratos ) com a justificação de que vivemos acima das nossas possibilidades nos últimos anos. Tenho pena mas eu gostava de desmentir isso aqui,  publica e peremptoriamente: eu sempre vivi do meu salário e nunca  acima das minhas possibilidades nem à custa de ninguém e nunca beneficiei de qualquer "cunha" para evoluir profissionalmente. Já o mesmo não se pode dizer desta casta de políticos que agora vêm pressurosos retirar mais sempre aos mesmos e, na  maior parte dos casos nem sabem o que estão a pedir. Esses sim, vivem  acima das nossas possibilidades de lhes podermos proporcionar estilos de vida luxuosos e escandalosos que até são   inexistentes na maioria dos  países ricos. É por isso que eu não me deixo impressionar pelo seu ar grave e sério quando vão à televisão pedir esforços e sacrifícios aos portugueses. Conheço-os à distância e já percebi muito bem ao que vêm. Não é para menos: ando desde 1974 a ouvir as suas "canções de embalar" e posso dizer que a letra e música é sempre a mesma, e o problema é que cada vez que a ouço, se tenho azar de me deixar embalar, acordo sempre mais pobre.

Em Itália a ministra do trabalho foi à televisão explicar, em conferência de imprensa, os cortes que o actual governo teria que efectuar para tentar recolocar as contas do país em ordem. Também ali, perecebemos que quem vai pagar a crise não é quem a criou. A diferença para os nossos políticos, é que esta senhora não resistiu ao dramatismo do que anunciava e não conseguiu terminar o que tinha começado a dizer. Ela sentiu o peso do que estava para anunciar  e eu senti que aquela mulher não era apenas mais uma política fria e seca mas antes alguém que percebia a verdadeira dimensão do que estava a fazer. Não era obrigatório que chorasse, mas ela chorou e não me parece que tenha saido dali diminuida por esse facto. Penso que os italianos terão percebido, na comoção da ministra, o que os espera, mas terão entendido também que ainda há políticos que sentem na pele os problemas do povo e que não estão ali só para cumprir um programa imposto por Berlim.

O primeiro ministro italiano anunciou igualmente que prescindia do salário  correspondente ao cargo bem como ao de ministro das finanças que acumula. Esse facto, num país e numa economia como a italiana, não tem nenhuma expressão nem impacto mas transmite aos seus concidadãos a noção fundamental da pedagogia do exemplo do "capo" do governo. Enquanto isso, por cá, João Jardim passeia-se para Bruxelas em executiva, Mota Soares arruma a lambreta e passa para uma viatura topo de gama, políticos reformados recebem altas mais-valias por meia dúzia de anos ao serviço do estado e acham isso normal chamando-lhe até  "direitos adquiridos" ( que só eles têm, claro...) , alguns ministros e secretários de estado prescidem de bons subsídios de alojamento mas só quando a marosca da casa própria em Lisboa ou arredores salta para os jornais...

Eu fiquei a gostar da ministra italiana. As suas lágrimas não me pareceram de fingimento mas de solidariedade e isso deixou seguramente os italianos, senão mais alegres, pelo menos  mais consolados. Ninguém pede aos políticos portugueses que chorem cada vez que vêm à televisão exigir sacrifícios, mas pelo menos não nos ofendam com o vosso comportamento na forma como esbanjam o dinheiro que nos sacam. É que um dia o povo pode fartar-se de ser "saco de murros".


Jacinto Lourenço